terça-feira, 24 de março de 2009

Nós e nossos vícios


Quando pensamos em vícios, geralmente nos remetemos às drogas. Porém sabemos que os vícios podem ser tanto físicos como emocionais. Existem pessoas viciadas em drogas, outras em alimentos, e ainda, aquelas que são viciadas em emoções ou em algum tipo de relacionamento.

A busca ansiosa pela vivência do vício tende a esconder necessidades internas que não estão encontrando oportunidades saudáveis de satisfação. Quando alguém, por exemplo, quer comer mais e mais, mesmo estando sem fome, talvez esteja mascarando uma fome por nutrição emocional. Quem sabe quer mais carinho e sentir-se protegido? Seu vício de comer, portanto, pode mascarar necessidades internas de ter mais atenção de sua família, por exemplo. E o que leva uma pessoa a buscar no vício o prazer que poderia ser saciado por meios bem mais construtivos?

É bem possível que o vício, seja este qual for, represente uma fuga da realidade. A pessoa tem medo de reconhecer e expressar diretamente suas mais profundas necessidades. Provavelmente ela considera, mesmo a nível inconsciente, que sofrerá menos ao se envolver com algum vício do que expondo suas carências, sua revolta e seus desejos. Então, em vez de declarar o que precisa, procura no vício tanto o esquecimento provisório desse anseio quanto o anestésico dessa dor de não se saciar verdadeira e saudavelmente. Prefere escapar daquilo que a faz sentir-se vazia através de alguma compulsão. E acaba aumentando esse mesmo vazio quando passa o efeito da “droga”, ainda mais que este poderá ser acompanhado de muita culpa e desconforto.

Como a dependência do viciado geralmente envolve os familiares, as maiores barreiras e, ao mesmo tempo, a grande esperança de cura estão vinculadas à família. A dinâmica familiar diante do vício de um de seus membros tende a ser crucial, tanto em termos de manter o viciado dependente quanto de resolução do problema. Como?
Há um princípio na Teoria Sistêmica (Familiar) que comprova esse fato. O princípio chama-se Homeostase e refere-se ao processo autorregulador que mantém a estabilidade do sistema e protege-o de desvios e mudanças. Na família, representa uma tendência da mesma em manter um certo padrão de relacionamento e empreender operações para impedir que haja mudanças nesse padrão de relacionamento já estabelecido.

Sendo assim, quando o “viciado” melhora, a família, ou um outro integrante específico, tende a piorar para manter o equilíbrio na dinâmica familiar. Nesse caso, caberá a cada um dos envolvidos nesse processo doloroso tentar resolver os conflitos juntos, com cada qual fazendo uma auto-observação. A ideia é entender que cada um tem um papel na família, mas que isso não deve ser permanente. Devemos considerar que podemos estar alimentando o vício do outro, em prol de uma autossatisfação inconsciente, a qual pode ter uma baixa autoestima por trás. Não é fácil aceitarmos a mudança do outro em um relacionamento familiar (e aqui se incluem também os casais), pois isso implica que também teremos que fazer a nossa parte na mudança. Podemos tentar manter o mesmo padrão ou promover a autotransformação de todo o sistema familiar.

Um exemplo é o da mãe que se sacrifica profissional ou afetivamente para cuidar de seu filho viciado. Quando este começa a melhorar, ela se sente confusa. Aquele papel que desempenhava na família, servindo-o quase que exclusivamente, é abalado. Agora ela terá de cuidar da sua vida afetiva ou profissional, as quais relegou em função do sacrifício que fez em ser útil ao filho. Inconscientemente, ela tende a evitar esse compromisso com seu parceiro e seu trabalho. Procura manter a função de servir ao filho. Eis a homeostase em ação. Ela, diante da melhora do filho, também precisa fazer um movimento progressista. Envolver-se de uma nova maneira com seu lado afetivo e profissional é o que é pedido dela nessa nova dinâmica familiar. Se ela fizer isso, estará ajudando seu filho, a si mesma e todos os familiares.

Podemos encontrar essa situação bem exemplificada no filme Quando um homem ama uma mulher (When a Man Loves a Woman). Diante da recuperação de sua mulher Alice Green (Meg Ryan), Michael Green (Andy Garcia) também precisa mudar muitos comportamentos. O papel que desempenhava na dinâmica familiar de sua vida conjugal e na criação das duas filhas precisou ser revisto, de modo a acompanhar os progressos de Alice. Enquanto Michael não percebeu essa necessidade, sua postura, de certa forma, alimentava o vício dela e colocava em risco a relação deles.

Algumas pessoas se casam sem querer ver como o outro é realmente. Então muitas vezes o que no início da relação parece ser legal ou engraçado, depois se torna o pivô das brigas e conflitos no relacionamento. No filme isso fica implícito, mas é possível notar que a princípio Michael se divertia com as atitudes de Alice quando ela estava alcoolizada. Provavelmente ele poderia ter convivido com isso durante todo o casamento e não ter percebido que aquilo era um problema para Alice. De certa forma alimentou o vício dela de maneira inconsciente (ou podemos dizer também que ele reforçava o comportamento de Alice). Com isso, ele também se mantinha em seu papel de homem maduro e responsável por todos.

É bom ressaltar que em uma família, seja com filhos ou não, todos são responsáveis pela dinâmica familiar. Então se há um viciado, o problema não é somente dele, é de todos os integrantes. Cabe a cada um perceber seu papel e assumir a responsabilidade nos relacionamentos. Todos somos co-responsáveis em uma família. Ao percebermos isso todos irão se envolver na resolução de problemas, sem definir vítimas nem culpados.
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Esse artigo teve a contribuição de Yubertson Miranda

domingo, 8 de março de 2009

Uma Leitura do Julgamento


Assisti ao filme O Leitor (The Reader) pela segunda vez no cinema para fazer um trabalho na faculdade. Não me importei em assistir novamente ao filme, mesmo porque já tinha gostado da primeira vez que o vi. Apesar da riqueza do filme, e de vários temas como culpa, família e relacionamentos poderem ser abordados, quero aproveitar o enredo para refletir sobre uma questão específica.

No filme, Michael de 15 anos, vive uma paixão com Hanna, uma mulher bem mais velha do que ele. Meu foco não é o caso dos dois, mas o que ocorre após Hanna abandonar seu menino. Ela re-aparece 8 anos depois para ser julgada no tribunal por sua participação nos campos de concentração na época do Nazismo. E é sobre essa questão que gostaria de abordar: O Julgamento.

No filme Hanna é declarada culpada e sua pena é a prisão perpétua. Mas Hanna também é julgada por aqueles que assistem ao filme. Suas atitudes para “seduzir” um menino mais novo. Sua “covardia” por não se aceitar analfabeta. A ousadia de não se arrepender pelos crimes cometidos perante o Juiz. E finalmente, pela atitude tomada por medo do que o futuro a reservava. Todas essas atitudes nós julgamos como erradas. E acredito ser esse o nosso equívoco.

Não podemos julgar o que levou aquela mulher do filme a agir da maneira como agiu. Mas fazemos isso no filme e também na vida real. Julgamos tudo e todos, com NOSSOS valores morais. Claro que a lei deve ser cumprida e o tribunal dá a sentença que o Réu merece (talvez, nem sempre...). Mas nosso julgamento nada tem a ver com a Justiça legal, mas sim com nossa justiça moral.

Afinal, quem são os culpados? Como já afirmei no texto anterior, penso que nós devemos ter cuidado ao apontar os culpados ou inocentes em algum relacionamento, seja ele qual for. Não pensamos em quais circunstâncias o outro tomou aquela atitude que tanto recriminamos. Dizemos apenas que ela está errada. Claro que podemos ter nossa opinião pessoal (afinal somos seres humanos), mas eu acredito que um profissional, ou mesmo estudante de Psicologia, deve pensar muito nessa questão da moral e do julgamento, caso queira trabalhar com pessoas.

Nosso olhar deve ser Sistêmico o tempo todo. Não podemos apenas olhar para uma atitude isolada, mas olhar o todo e de preferência com os olhos daquele a quem ficamos tentados a julgar. Como julgar a subjetividade de cada um? Como julgar as escolhas? Cada um tem sua história, e merece ser respeitado por ela.
Talvez Hanna fosse simplesmente uma mulher ávida por aprender, mas orgulhosa demais para pedir...

"Julgar os outros é perigoso. Não tanto pelos erros que podemos cometer a respeito deles, mas pelo que podemos revelar a nosso respeito." Voltaire