Assisti recentemente ao filme Linha de Passe e mais uma vez vejo a sistêmica atuando. O filme conta a história de Cleusa uma mãe de 4 filhos que são supostamente de pais diferentes. Nenhum dos pais dos meninos é conhecido. Contudo a única certeza que podemos ter é que Reginaldo, o filho mais novo e o único de origem negra, tem um pai diferente dos outros 3 irmãos.
Cada um dos filhos tenta suprir, a sua maneira, a ausência paterna. Reginaldo, o mais desafiador, segue pela cidade entrando nos ônibus dirigidos por motoristas negros. Com isso espera ser reconhecido por um suposto pai que teria aquela função. Talvez o desejo e o fascínio de Reginaldo por dirigir ônibus o tenha levado a essa busca. Ou quem sabe a busca criou seu desejo em dirigir? O fato é que ao realizar seu desejo ele acaba se satisfazendo e se reconhecendo com uma figura paterna: o motorista negro do ônibus.
Dario sonha em ser jogador de futebol. Como vários meninos de classe mais baixa que almejam ter um futuro melhor realizando um sonho de jogar profissionalmente em um grande time. Dario encontra uma figura paterna em seu treinador, que o incentiva mesmo com a idade avançada do garoto: “Garrincha foi descoberto com 19 anos” diz o técnico ao menino que expressa toda sua frustração ao completar 18 anos e ver o sonho de ser um jogador de futebol ficar mais longe.
Dênis é um motoboy. Enfrenta a loucura do trânsito em meio a uma correria sem fim. Ele acaba por reproduzir sua história, tendo um filho como uma garota que também não deseja que o pai de seu filho esteja presente. Ele busca suprir seu desamparo no trabalho, e acredita que o dinheiro é a única maneira possível de ele ser reconhecido. No fim ele mostra que apenas não deseja ser invisível, quer ser visto.
Dinho é o devoto. Encontra na religião a solução. Para ele Deus é o pai protetor que o livra do desamparo, exemplo típico do que Freud explicou no seu texto O Futuro de uma ilusão. Contudo ele reprime seus desejos sexuais e se decepciona com o pastor que almeja lucros. Sabemos que a sombra escondida em algum momento desejará aparecer, e com Dinho não seria diferente. Mas ao final ele reafirma seu compromisso com Deus sentindo-se talvez perdoado por seus pecados.
A metáfora da família é uma pia que não desentope. As frustrações, angústia e desamparo barram a água de fluir. A mãe não fala dos pais dos garotos e briga com quem pergunta. Ela se diz mãe e pai dos meninos. E ela grávida, fica desejosa de ser enfim uma menina, para que ela não tenha mais figuras masculinas que a lembrem dos maridos esquecidos.
Apesar de todas as dificuldades a esperança persiste. Esperança de fazer aquele gol tão importante, de ser visto, de ser salvo, de dirigir um ônibus e de ter uma menina. Os irmãos mesmo sendo de pais diferentes unem-se nas dificuldades e ajudando uns aos outros. Afinal, para que uma Linha de Passe funcione bem no futebol, todos devem estar prontos em sintonia para receber e tocar a bola no momento certo, para que juntos armem uma boa jogada, façam um gol, e comemorem uma vitória ao final. E é isso que essa família deseja.