domingo, 12 de setembro de 2010

O que cultivamos para nós?


A outra face da raiva (The upside of anger) conta a história de uma mulher amargurada pelo abandono do marido que precisa lidar com as quatro filhas. Parece uma historinha clichê, mas oferece ótimas reflexões.

O filme é narrado, em alguns momentos, pela filha mais nova e adolescente da personagem principal Terry Wolfmeyer (Joan Allen). A filha em algumas passagens do filme diz que mãe era doce e afetuosa antes do sumiço do marido. Contudo essa é uma faceta que não é revelada pela personagem, a não ser nos últimos minutos do filme.

Terry acredita que seu marido a traiu e fugiu com uma secretária. Com isso cultiva durante toda a história uma grande amargura da vida. Por sentir-se abandonada e humilhada fecha-se em uma redoma e é sempre muito dura e exigente em seus relacionamentos. As filhas percebendo a mudança da mãe, passam a afrontá-la, cada uma a sua maneira. Curiosamente, a filha mais nova, a adolescente, tratadas por todas as outras e pela mãe como criança é a que se mostra mais madura durante a história.

O filme revela algumas mudanças no ciclo familiar. A filha mais velha que está se formando e iniciando nova família. Uma das filhas que escolhe trabalhar ao invés de estudar e se relaciona com um homem com o dobro de sua idade. A outra que simplesmente quer estudar algo que lhe dá prazer mesmo contra a vontade da mãe. A mais nova que se encanta por um outro adolescente e descobre que ele é gay. E a mãe que tenta iniciar um novo relacionamento com um ex-jogador de beseiboll que leva a vida de maneira descompromissada. Todas essas mudanças acabam gerando uma infinidade de conflitos, nas quais a matriarca da família não consegue lidar com tranqüilidade. Terry então se mantém na postura de vítima, da mulher que foi abandonada e utiliza disso como defesa e arma em suas relações. Contudo a convivência com Denny (Kevin Costner), que se torna o novo namorado e que aparentemente é o oposto de Terry, permite que ela vá ficando mais flexível. Ele compreende seu mau-humor constante e respeita seu espaço mesmo que algumas vezes pareça estar distante e desinteressado. Ele acaba trazendo leveza para uma família cheia de tensões.

O que é bacana de pensarmos com esse filme é o quanto nos prendemos a determinados sentimentos e situações, e como nós mesmos criamos certos problemas. Claro que é inevitável fugirmos das mudanças dos ciclos familiares. É um processo natural: Sair de casa, constituir nova família, ter filhos, trabalhar, aposentar, os filhos que saem de casa, lidar com as perdas. Mas isso tudo não precisa ser vivido com tanta amargura e sofrimento. Os conflitos às vezes são necessários para nosso crescimento e amadurecimento. E inicialmente entendemos a amargura de uma mulher que se sente traída e abandonada. Mas porque estender a dor? Por que cultivar tanto tempo um sentimento tão pesado como a raiva? A raiva também é natural e não deve ser reprimida, de maneira alguma. Mas como cada sentimento devemos vivê-lo e deixar que ele se vá. Melhor ainda se pudermos aprender com ele. A personagem cultiva sua raiva, gerando cada dia um novo conflito ou criando um novo problema. Apenas no final ela percebe quanto tempo desperdiçou de sua vida com algo completamente irreal, e com um problema criado por ela mesma. Ela então precisa elaborar o luto. O luto de uma raiva que não era necessária, o luto de um ciclo que termina para outro iniciar, o luto da morte.

Escutei uma vez de uma amiga psicóloga que o passado não deve servir de sofá, para nos sentarmos e acomodarmos, mas sim um trampolim para que possamos nos lançar a novos aprendizados. Terry viveu 3 anos de sua vida presa a um único acontecimento. Precisamos aprender a cultivar coisa leves e que nos dêem prazer de viver. Viver o presente já é um bom adubo. Afinal é isso a única coisa que nos pertence e que temos verdadeiramente: O Presente!

Acredito que a pergunta que deve ser uma constante em nossa vida: o que estou cultivando para mim é mesmo necessário?