segunda-feira, 3 de maio de 2010

Já conversou com seu Sintoma hoje?



Hoje me lembrei de um ótimo livro. A Jóia na Ferida de Rose Emily Rothemberg. Já faz um tempo que o li, mas ultimamente a necessidade de se compreender os sintomas estão mais presentes então me lembrei desse livro.

Na capa do livro há uma frase de impacto “O corpo expressa as necessidades da psique e oferece um caminho para a transformação”. Uau!! Isso revela o conteúdo do livro. A autora conta sua jornada (dolorosa) em busca de um sentido para suas quelóides que aparecem desde criança.

Imaginem carregar um sintoma por toda a vida? Parece ruim, mas essa autora junguiana mostra que isso pode ser uma grande vantagem se entendemos o significado dele. Mas é importante perceber a diferença entre ter um sintoma e permanecer na dor.

Os sintomas não aparecem por acaso. Alguns mais céticos podem dizer: “Saia em uma noite fria sem agasalho que você irá gripar e não tem nada de ‘psicológico’ nisso”. Mas se fosse assim, simples assim, nos países da Europa que as pessoas vivem em meio a um frio abaixo de zero, todos viveriam gripados, pois não há roupa que sustente um frio tão intenso. E no entanto por que somente alguns gripam?

Outra reflexão são sobre os novos sintomas, aqueles ditos da sociedade contemporânea. Como por exemplo, a anorexia e síndrome do pânico. Se a mídia impõe padrões de beleza que induzem garotas a desejarem um corpo ideal, então por que todas as modelos e jovens não possuem anorexia ou bulimia? Há algo de singular e isso é inegável. E esse particular precisa ser ouvido.

O problema é que sempre queremos a solução mais fácil e rápida. Tem uma dor de cabeça, toma logo uma neosaldina. Está com dor no corpo, engole um dorflex e está resolvido. Intestino preso, tome algo pra soltar, intestino solto, tome algo pra prender... e assim as indústrias farmacêuticas agradecem, pois elas lucram com nosso sofrimento... aliás, esse sofrimento continua, é a dor que acaba... e mesmo assim, provisoriamente.

Resolvemos a dor de cabeça hoje, e amanhã ela está de volta. Então nos tornamos escravos do remédio, pois queremos alívio. Se todos soubessem como economizariam (em todos os sentidos) se procurassem a CAUSA de seus sintomas. Uma análise ou psicoterapia para alguns custa caro, mas isso porque não colocam no papel o quanto gastam com medicamentos ao longo da vida, sendo que na maioria das vezes, eles são desnecessários. Claro que não digo com isso, “parem de tomar remédios e vão aos psicólogos”. Alivie sua dor, mas procure entendê-la para que ela não volte mais tarde ou desloque para outra coisa.

Não há porque ficar sofrendo horrores com uma dor de cabeça que não passa tentando entendê-la. Pode tomar um remédio sim, mas pergunte a essa dor de cabeça o que ela quer dizer pra você. Nosso corpo nos alerta todo o tempo. Sempre nos diz quando algo está errado. E quando vamos correndo tomar um remédio sem nem buscar ouvir o que o corpo tem a dizer, um dia ele pode se calar de vez. Precisamos aprender a nos escutar melhor. Para isso uma psicoterapia ajuda, mas isso não é porque o psicólogo irá saber mais de você do que você mesmo. Ela ajuda pois falando com outra pessoa (um profissional preparado é claro), você acaba se ouvindo melhor também. O psicólogo (ou analista) acaba sendo um espelho.

Há um porém nessa história. Às vezes gostamos de nossa dor. Apegamos-nos a ela e não queremos soltá-la mais. Aceitamos os rótulos que são impostos a nós (como já escrevi aqui anteriormente). Você NÃO É alguma doença, apenas está com ela. Achamos que se não tivermos essa dor (ou uma doença) não seremos mais vitimas, as pessoas não vão mais olhar para nós, ninguém irá nos valorizar.

Pois o valor maior quem nos dá, somos nós. Não podemos esperar isso de ninguém. E nosso maior aliado é nosso corpo. Ele fala por nós. O que não ouvimos do nosso inconsciente, ele expressa por meio de um sintoma. Para isso é preciso um desejo. Desejo real de mudança. E isso não é fácil, pois nem sempre estamos dispostos a largar velhos hábitos, posturas e atitudes. É preciso TRABALHAR nisso! O corpo pede trabalho!*

* Obs: Não entendam essa frase literalmente. Não quero dizer com isso que devemos dedicar exclusivamente ao trabalho (enquanto profissão). Digo trabalho em relação a produzir algo útil, no caso um melhor entendimento para o sintoma. Cuidado: ser Workaholic também é um sintoma!!

Loucura ou Realidade?



Obs: Sugiro que aqueles que ainda não tenham assistido ao filme não leiam esse texto, pois irei comentar sobre cenas finais e certamente irá estragar a surpresa do filme.

O filme Ilha do medo (Shutter Island) teve sua estréia no Brasil em meio a críticas controversas. Talvez por ser um filme do aclamado diretor Martin Scorsese, espera-se sempre um espetáculo no cinema.

Desculpem-me os críticos de cinema e os mais entendidos sobre filmografia de Scorsese, mas estou aqui para comentar a história do filme, e ela foi simplesmente sensacional.

O filme se fez nos detalhes. Em tempos que preconceitos são quebrados (não tanto quanto deveriam) o enredo nos mostra uma visão interessante da saúde mental, principalmente no papel de Ben Kingsley. Ele faz um psiquiatra que luta pela qualidade de vida dos doentes mentais. Ele tenta entender o que há por traz daquele que, por muitos, é visto como monstro, fazendo o possível para humanizá-los. As falas de Kingsley no filme são sensacionais e refletem um olhar de acolhimento, entendimento e sabedoria sobre alguns seres humanos que são discriminados pelo fato de terem cometido algum crime.

Claro que aquele que comete um crime deve pagar seu débito para com a sociedade. E para o doente mental não é diferente. Contudo um crime cometido por um psicótico deve levar em conta todo um contexto. Um psicótico em surto que mata sua mãe pois acredita que ela é um leão que irá devorá-lo, não é o mesmo que um homem em “sã consciência” que mata alguém em um assalto. A realidade do primeiro é diferente e isso precisa ser considerado. **

Há um pequeno alerta no filme (que pode passar despercebido) para algo comum em nosso cotidiano. Algumas pessoas dão indícios de que estão passando por sofrimentos psíquicos, mas os familiares, por medo ou preconceito preferem não enxergar os fatos e quando caem em si, algo mais desastroso já pode ter ocorrido. Isso ocorre com o Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) que apenas percebeu a doença da esposa quando esta chegou as ultimas conseqüências. Ele mesmo então não suporta a realidade que lhe e apresentada e cria uma outra paralela que tenta sustentar durante todo o filme.

Claro que é possível fazer algumas críticas, mas que na verdade revelam um pouco de como a sociedade encara os doentes mentais. A idéia de todos os criminosos estarem isolados numa ilha reflete o que essa sociedade deseja fazer com esses criminosos: não compreender, mas afastar, mandar pra longe, como se não existissem... O próprio nome do filme (traduzido para português como “A Ilha do medo”) reflete o que as pessoas sentem em relação aos ditos loucos... sentem medo.

O filme mostra também como os doentes mentais eram tratados antigamente. Métodos desumanos são colocados em questão e também nos leva a refletir a que ponto chegamos no passado. Que bom que houve ao menos alguma evolução. Com o movimento da reforma psiquiátrica e com as lutas antimanicomiais (guardada às devidas proporções), os doentes mentais passam a ser vistos com outra perspectiva, uma visão mais humana e que considera a importância de ajudar que esses sujeitos estabeleçam laços sociais, e não mais sejam isolados de tudo.

Por fim, ao ser confrontado com a realidade (que não é a dele) Teddy reconhece seu crime. Contudo a tentativa do psiquiatra em lhe revelar o real, acaba por ser um fracasso. E enfim, em “sã consciência” diz que é preferível morrer como um homem bom a viver como um monstro... Em sua realidade ele era um bom homem em busca do assassino de sua esposa, e assim não suportaria viver fora dessa realidade. Será então que essa realidade deveria mesmo ter sido mostrada a ele!? Fica essa interrogação para que possamos refletir sobre o lugar desse sujeito em nossa sociedade, e qual é o papel dos psicólogos nesse contexto.

**Em tempo...

Em Belo Horizonte temos o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), um programa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, realiza acompanhamento do portador de sofrimento mental que cometeu algum crime. Nesse programa os psicólogos (e estagiários) possuem papel fundamental na escuta e acompanhamento dessas pessoas.