terça-feira, 4 de outubro de 2011

Reflexões sobre a Psicoterapia Existencial e a Vida

Para Psicoterapia Existencial a existência precede a essência. A existência é uma construção permanente do nascimento a morte. Durante esse processo muitas são as angústias vividas por nós, seres humanos. As 4 angústias fundamentais que permeiam nosso existir são a solidão, a morte, a liberdade e o projeto existencial. Todas elas relacionam-se entre si e são vivenciadas por nós em várias etapas da vida. Junto a elas encontramos as dificuldades inerentes a situação, tempo, espaço, fala, outro e obra, conforme nos apontou Augras (1986) em seu livro “O ser da compreensão”.

A angústia da solidão diz da nossa dificuldade de estar só. Este estar só implica estarmos conosco mesmo, o que não é nada fácil já que com isso nos deparamos com nossa humanidade, nossas imperfeições. Então nossa maior dificuldade se revela e tentamos fugir da separação do outro. O outro é importante em nossa história. Nós somos seres sociais e por isso precisamos estar com o outro. Contudo não podemos estar no outro. Por isso fugimos da separação com a fusão ou com a hostilidade. Fundimos-nos ao outro com receio de perdê-lo. Com isso adoecemos um relacionamento, pois não suportamos viver a vida do outro por muito tempo sem nos deparamos com nós mesmos em algum momento. No outro extremo, também podemos ser hostis. Afinal já que precisamos nos separar, talvez seja preferível que nem haja a união. Com isso nos afastamos do outro, o enxotamos de nossa vida para que não nos percamos dele.

A liberdade também nos causa angústia. Liberdade de escolher, de estarmos diante do desconhecido. Somos lançados ao mundo e todo o tempo nos submetemos a nossas escolhas. Como disse Sartre “Estamos condenados a ser livres”. Escolher é angustiante, pois há infinitas possibilidades que são perdidas quando uma só pode ser escolhida. Estamos sempre diante de situações conflitivas, ambíguas e paradoxais, e precisamos exercer nossa liberdade. Mas tentamos evitá-la todo o tempo. Queremos ter o controle sobre todas as possibilidades para que nossa escolha seja mais fácil. Recorremo-nos a oráculos pois precisamos ter o controle do tempo. Quando algo vai ocorrer? Como posso escolher? Para onde essa escolha irá me levar? Queremos as previsões prontas e concretas. Para evitar a angústia da liberdade, evitamos ou reduzimos nossas escolhas. Contudo a não escolha já é uma escolha e por isso a angústia é permanente.

A morte é nossa maior certeza e nossa principal negação. Apenas a menção da morte causa angústia para alguns. É preferível se alienar no mundo, no tempo e no espaço, do que reconhecer que somos seres finitos. Não queremos envelhecer, pois a velhice nos remete a nossa morte. Nosso corpo é nosso espaço vital que também é construído na existência. Mantê-lo jovem e forte é nosso ideal. Contudo o tempo não para. As rugas aparecem e os cabelos embranquecem. Então percebemos que esse corpo é uma construção que também irá se findar. Contudo, acreditamos ser invulneráveis. A morte só atinge ao outro. Mas a vida nos lembra da morte a todo segundo. Para morrer basta estar vivo. Nossas perdas ao longo da vida nos doem na mesma proporção do quanto distantes da morte acreditamos nos encontrar. Então estas perdas, seja de pessoas, de um emprego, de casamento, é a vida lembrando nossa invulnerabilidade, nossa falta de controle, nossa impermanência e finitude. Afinal não é nossa única certeza? Será que, como Gregor (personagem de Kafka em A Metamorfose), precisamos virar insetos para reconhecer nossa humanidade? Mas sim, precisamos da metamorfose.

Enfim o projeto existencial. A angústia de ter um sentido. A obra que iremos realizar. No decorrer de nossa existência criamos inúmeros projetos. Isto porque o projeto é uma construção constante, e só termina com a morte. Em alguns momentos nos enterramos devido a um único projeto, mas esquecemos que não há vida sem sentido, nem existência sem projeto, por isso ele não pode ser único. Ele envolve nossa liberdade de escolha, nosso estar só, e o reconhecimento da nossa finitude. Ele nos acompanha do início ao fim de nossa existência. Mesmo porque, como nos disse Carl Rogers: “A grande obra do ser humano é a construção de existência”.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

AMOR?



Está em cartaz o mais recente filme de João Jardim “Amor?”. Interessante ver o novo estilo documentário-ficção, já que trata-se de depoimentos reais apresentado por atores. Há tempos esperava um bom filme que retrata a violência, e enfim minha espera chegou ao fim.

O filme é um documentário ficcional. Atores representam pessoas que relatam em entrevistas suas histórias de violência que praticaram ou se submeteram. Os depoimentos giram em torno de relacionamentos repletos de violência e ciúme. A dúvida colocada é “Será que o que mantém as pessoas em relacionamentos desse tipo pode ser chamado de Amor?”

Há alguns meses trabalho em um abrigo para mulheres que sofrem violência doméstica e estão em situação de risco. As mulheres que chegam até lá estão em ameaça iminente de morte. Os agressores, em 100% dos casos até então, são os companheiros. Diferentemente do que pode ser percebido no filme, a maioria das mulheres abrigadas são de nível socieconômico baixo. Talvez porque estas não podem contar com outra saída, como viajar, ou até se abrigarem em casas de familiares. As mulheres que passam pelo abrigo, muitas vezes, não possuem família de origem, ou a própria família também é colocada em risco pelo agressor.

Mas o que provoca nossa reflexão, e que é bem abordado no filme, é: Por que as pessoas se submetem a relacionamentos que causam tanta dor e sofrimento? Podemos pensar em várias respostas pra essa pergunta, mas nenhuma nos dará a visão completa do assunto. Ao escutar a história de vida de algumas dessas mulheres, é possível notar algo em comum que é a violência presente desde a infância. Algumas sofrem violência do pai (mãe ou outros familiares), ou então presenciam a violência diária em seus lares. Algumas não conhecem outro tipo de relação, sem ser a repleta de violência. Então nesse caso, talvez isso seja amor. Alguns podem pensar: “Mas como pode ser amor? Amor de verdade não machuca, não agredi, não ofende” ou “Amor é algo sublime”. Realmente, eu posso acreditar que o amor não agredi, mas eu me baseio em minha história. Cada um tem a sua concepção do que é o amor, e como podemos dizer que está errado? Afinal, o amor é uma construção e cada um dá pra ele um significado próprio. Então é compreensível que pessoas aprendam que amor e violência andam juntos. Afinal, aqueles que deviam amar e cuidar, acabam por agredir, e isso fica marcado.

Contudo, afirmo de novo, não é uma relação simples de causa e efeito, é tudo muito mais complexo do que imaginamos. Além disso, sabemos que há nossa escolha pessoal. Nós ressignificamos nossos aprendizados ou não, depende de cada um. Mas não é tarefa fácil, e por isso não podemos julgar, ou resumir tudo a uma questão social ou cultural. E ao não julgar, não posso dizer o que amor é ou não é, pois para isso partimos de concepções individuais. Acredito que neste sentido, o filme pode ajudar nossa compreensão. Quando escutamos os relatos, mesmo que representados por atores, algo mexe conosco. Pelo menos foi a impressão que notei em algumas pessoas que também assistiram. Além disso, temos depoimentos dos dois lados na moeda, o agressor e a agredida. Isso nos ajuda a olhar o todo sem rotular as vítimas ou agressores, já que em alguns momentos os papéis se invertem.

A verdade é que o amor não é ciência exata. Aliás o que é exato quando nos referimos às pessoas? Exatamente por isso conclusões simplistas e causais devem ser evitadas. Não podemos ser ingênuos de pensar que a violência de hoje pode ser justificada pela violência do passado, mas isso serve sim para compreendermos melhor a pessoa. Em alguns depoimentos do filme as mulheres conseguiram romper o ciclo da violência em suas vidas, o que mostra que é possível. Sempre há um limite que quando atingido, algo é despertado. A questão é que para algumas pessoas isso pode demorar uma vida inteira para ocorrer. E nesse âmbito cabe a nós, profissionais de Psicologia, acolher e auxiliar aqueles que nos procuram, a ressignificar seus aprendizados do passado e fazer novas escolhas no futuro.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Reflexões sobre a morte e o luto


Hoje, no primeiro dia do ano de 2011, quero falar do filme “Em busca de uma nova chance” (The Greatest) que assisti no último dia de 2010. O filme fala sobre uma família que sofre uma grande perda, e mostra como cada um lida com o luto.

Enquanto assistia ao filme, me lembrei do conceito de Homeostase na família, que em termos gerais, refere-se a tendência da família de manter seu sistema em equilíbrio. Esse conceito está implícito já que no decorrer do filme a família parece ficar em total desequilíbrio após a perda de um de seus componentes. Com isso podemos pensar que o filho mais velho que morre em um acidente de carro, era o perfeito da família, e quando sai de cena obriga a cada um olhar para si. Por isso o desequilíbrio. Com a saída do “filho perfeito”, cada um precisa voltar-se para suas próprias imperfeições e limitações, e lidar com elas.

E temos a entrada da namorada do filho para desorganizar ainda mais o sistema. Ela provoca diferentes reações nos membros da família, e revela a maneira com que cada familiar lida com o luto. A mãe, obcecada pela morte do filho, vê a garota como intrusa, e acredita ser inadmissível ficar feliz novamente após tamanha dor, como se a morte de seu filho a condenasse a infelicidade eterna. O pai vê a garota como um refúgio, de certa forma, uma substituta. Com isso não precisa lidar com a dor de sua perda. Além disso, insiste em ser visto como aquele que precisa ser “o forte” para apoiar os outros que sofrem. O irmão mais novo deprecia a garota como depreciava o irmão, para que ele possa se sobressair de alguma maneira, já que é o coadjuvante da família. O garoto procura um grupo de apoio e luta contra a vontade de se drogar novamente para fugir de seus problemas.

O filme revela extremos para lidar com a dor. E se pensarmos numa maneira ideal, talvez o melhor para cada um seja não adotar os extremos dos personagens do filme. Nem fugir do sofrimento como o pai, evitando expressar sua dor, ou o filho, se refugiando no quarto e nas drogas; nem deixar de viver sua vida e olhar para o futuro, como a mãe que ficou presa aos acontecimentos do dia da morte do filho. Talvez a postura da garota revele a forma mais saudável, aceitando a dor da morte de seu namorado, mas continuando a viver sua vida, e vislumbrando um futuro mais feliz.

Uma morte inesperada mexe mesmo com toda a família. O filme mostra isso com sensibilidade, mas a verdade é que cada um lida a seu jeito. Não há uma maneira certa ou errada, mas a maneira de cada um. E cada um a seu tempo verá se aquela forma com que está lidando é saudável ou prejudicial para si mesmo e para o sistema familiar no qual está inserido.

O filme me tocou de maneira especial, pois passei por essa dor em 2010. Minha mãe morreu de maneira inesperada em outubro e isso causou muitas mudanças. Mudanças na forma de ver a vida e de vivê-la com quem a gente ama. Alguns problemas tornam-se tão pequenos. Percebi que cada um expressa sua dor a sua maneira, e não há como julgar isso. Alguns simplesmente não conseguem lidar com o sofrimento. Alguns amigos simplesmente se afastam, talvez por acharem que você precisa de espaço, ou por não saberem mesmo como agir. Mas enfim, não há uma forma ideal. A verdade que ninguém nos avisa, é que a dor na verdade não passa. Não quer dizer que precisamos sofrer e chorar todos os dias, afinal nós continuamos a viver. Mas é como um buraquinho se abrisse e não se fechasse mais. Não há preenchimento, ele sempre estará lá. Mas a dor, digamos, muda de nível e aos poucos se transforma em saudade, então não dói tanto...mas o incomodo sempre estará no mesmo lugar.

Acredito que quando nos deparamos com a morte de alguém que tanto amamos, percebemos nossa finitude e falta de controle. A morte chega para todos e evitarmos falar disso não evita que ela aconteça em nossas vidas. Precisamos ser mais sinceros conosco mesmo, com nossas limitações, com nossos erros e nossa dor. Se a cada dia conseguirmos viver a vida de maneira plena, seja como for, com a gente e com os outros, poderemos encarar a morte com mais naturalidade. Não irá doer menos, mas quando ela chegar, estaremos mais preparados para continuar a viver...