Quando pensamos em vícios, geralmente nos remetemos às drogas. Porém sabemos que os vícios podem ser tanto físicos como emocionais. Existem pessoas viciadas em drogas, outras em alimentos, e ainda, aquelas que são viciadas em emoções ou em algum tipo de relacionamento.
A busca ansiosa pela vivência do vício tende a esconder necessidades internas que não estão encontrando oportunidades saudáveis de satisfação. Quando alguém, por exemplo, quer comer mais e mais, mesmo estando sem fome, talvez esteja mascarando uma fome por nutrição emocional. Quem sabe quer mais carinho e sentir-se protegido? Seu vício de comer, portanto, pode mascarar necessidades internas de ter mais atenção de sua família, por exemplo. E o que leva uma pessoa a buscar no vício o prazer que poderia ser saciado por meios bem mais construtivos?
É bem possível que o vício, seja este qual for, represente uma fuga da realidade. A pessoa tem medo de reconhecer e expressar diretamente suas mais profundas necessidades. Provavelmente ela considera, mesmo a nível inconsciente, que sofrerá menos ao se envolver com algum vício do que expondo suas carências, sua revolta e seus desejos. Então, em vez de declarar o que precisa, procura no vício tanto o esquecimento provisório desse anseio quanto o anestésico dessa dor de não se saciar verdadeira e saudavelmente. Prefere escapar daquilo que a faz sentir-se vazia através de alguma compulsão. E acaba aumentando esse mesmo vazio quando passa o efeito da “droga”, ainda mais que este poderá ser acompanhado de muita culpa e desconforto.
Como a dependência do viciado geralmente envolve os familiares, as maiores barreiras e, ao mesmo tempo, a grande esperança de cura estão vinculadas à família. A dinâmica familiar diante do vício de um de seus membros tende a ser crucial, tanto em termos de manter o viciado dependente quanto de resolução do problema. Como?
Há um princípio na Teoria Sistêmica (Familiar) que comprova esse fato. O princípio chama-se Homeostase e refere-se ao processo autorregulador que mantém a estabilidade do sistema e protege-o de desvios e mudanças. Na família, representa uma tendência da mesma em manter um certo padrão de relacionamento e empreender operações para impedir que haja mudanças nesse padrão de relacionamento já estabelecido.
Sendo assim, quando o “viciado” melhora, a família, ou um outro integrante específico, tende a piorar para manter o equilíbrio na dinâmica familiar. Nesse caso, caberá a cada um dos envolvidos nesse processo doloroso tentar resolver os conflitos juntos, com cada qual fazendo uma auto-observação. A ideia é entender que cada um tem um papel na família, mas que isso não deve ser permanente. Devemos considerar que podemos estar alimentando o vício do outro, em prol de uma autossatisfação inconsciente, a qual pode ter uma baixa autoestima por trás. Não é fácil aceitarmos a mudança do outro em um relacionamento familiar (e aqui se incluem também os casais), pois isso implica que também teremos que fazer a nossa parte na mudança. Podemos tentar manter o mesmo padrão ou promover a autotransformação de todo o sistema familiar.
Um exemplo é o da mãe que se sacrifica profissional ou afetivamente para cuidar de seu filho viciado. Quando este começa a melhorar, ela se sente confusa. Aquele papel que desempenhava na família, servindo-o quase que exclusivamente, é abalado. Agora ela terá de cuidar da sua vida afetiva ou profissional, as quais relegou em função do sacrifício que fez em ser útil ao filho. Inconscientemente, ela tende a evitar esse compromisso com seu parceiro e seu trabalho. Procura manter a função de servir ao filho. Eis a homeostase em ação. Ela, diante da melhora do filho, também precisa fazer um movimento progressista. Envolver-se de uma nova maneira com seu lado afetivo e profissional é o que é pedido dela nessa nova dinâmica familiar. Se ela fizer isso, estará ajudando seu filho, a si mesma e todos os familiares.
Podemos encontrar essa situação bem exemplificada no filme Quando um homem ama uma mulher (When a Man Loves a Woman). Diante da recuperação de sua mulher Alice Green (Meg Ryan), Michael Green (Andy Garcia) também precisa mudar muitos comportamentos. O papel que desempenhava na dinâmica familiar de sua vida conjugal e na criação das duas filhas precisou ser revisto, de modo a acompanhar os progressos de Alice. Enquanto Michael não percebeu essa necessidade, sua postura, de certa forma, alimentava o vício dela e colocava em risco a relação deles.
Algumas pessoas se casam sem querer ver como o outro é realmente. Então muitas vezes o que no início da relação parece ser legal ou engraçado, depois se torna o pivô das brigas e conflitos no relacionamento. No filme isso fica implícito, mas é possível notar que a princípio Michael se divertia com as atitudes de Alice quando ela estava alcoolizada. Provavelmente ele poderia ter convivido com isso durante todo o casamento e não ter percebido que aquilo era um problema para Alice. De certa forma alimentou o vício dela de maneira inconsciente (ou podemos dizer também que ele reforçava o comportamento de Alice). Com isso, ele também se mantinha em seu papel de homem maduro e responsável por todos.
É bom ressaltar que em uma família, seja com filhos ou não, todos são responsáveis pela dinâmica familiar. Então se há um viciado, o problema não é somente dele, é de todos os integrantes. Cabe a cada um perceber seu papel e assumir a responsabilidade nos relacionamentos. Todos somos co-responsáveis em uma família. Ao percebermos isso todos irão se envolver na resolução de problemas, sem definir vítimas nem culpados.
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Esse artigo teve a contribuição de Yubertson Miranda