domingo, 20 de dezembro de 2009

Um olhar sobre a saúde mental

Enfim O Solista (The Soloist) chegou aos cinemas de Belo Horizonte em 11/12/09. Vi o trailler desse filme em agosto ou setembro e fiquei ansiosa para assisti-lo por tratar-se da história real de um músico de talento, Nathaniel Ayers, que tornou-se um sem teto. Em dado momento Nathaniel revela uma esquizofrenia e não consegue mais "viver no mundo real".O filme é belo. Para quem gosta de boa música e para quem aprecia o "mundo dos loucos". Esse ano eu aprendi muito a apreciá-lo e respeitá-lo. Por isso gostei do filme. As críticas não tem sido boas, tanto que o filme custou a chegar em Belo Horizonte, e na segunda semana já está se despedindo.... Talvez possa ser meio clichê.. previsível talvez... mas a forma como a saúde mental foi abordada foi muito bacana.

O jornalista Steve Lopez que se torna "amigo" de Nathaniel (talvez mais interessado do que amigo no início) tenta curá-lo. Ele deseja que o músico seja novamente escutado, que todos ouçam seu talento musical... Mas ele não pergunta a Nathaniel qual o seu desejo... Este apenas quer tocar seus instrumentos para viajar em sua bela música, que de certa maneira o traz de volta ao "nosso mundo"...

O fato que seu mundo é real para ele. Ele não quer sucesso e reconhecimento pois "as vozes" não o deixam em paz. Então porque não ficar em um túnel onde a acústica para escutar sua música é muito melhor? O filme nos traz a realidade que nos apresenta hoje.. as pessoas querem tratar os loucos e trazê-las para realidade.. mas não querem estar ao lado delas, entender o próprio mundo na qual elas vivem, simplesmente ouvi-las. O trabalho que fiz no Cersam esse ano me deu essa nova perspectiva. Claro que a medicação é importante, até para protegê-los de cometer algum ato que os prejudique ou aos outros... mas não é só isso.... A medicação muitas vezes apenas abranda os sintomas, mas aquela nova realidade criada continua e é ela que precisamos entender...

Pude entender melhor da luta antimanicomial. Não é simplesmente um discurso para "libertar os loucos e deixar eles livres pela cidade..." como alguns leigos pensam... É humanizar o sistema. Essas pessoas vivem em mundos diferentes aos nossos e por isso eles nos assustam.. Eles saem do padrão! Se enclausurados em hospitais psiquiátricos vão se afundar em caminhos sem volta, pois perdem os laços sociais. Por isso a idéia dos Cersams ou Caps é tão importante! Eles vão até lá fazem atividades, participam de oficinas, podem conversar uns com os outros, estabelecer laços, tudo isso se quiserem é claro, e voltam para casa no final do dia. Eles têm a escolha. Podem ir e vir. Não são afastados do convívio social, e mesmo se criam uma realidade a parte, eventualmente se deparam com a nossa e aceitam isso também....

Pois então, antes de rotular ou julgar alguém de Louco, ou pior, dizer: Coitadinho é doido... Pensem em quanto lutamos para ficar normais, dentro do padrão e isso as vezes nos deixa doentes... Não são coitados, são pessoas que também fazem escolhas, apenas são diferentes, como todos somos uns dos outros... Talvez devêssemos aprender a respeitar mais as diferenças, afinal quem são os loucos? Talvez haja um limiar no qual todos nós estamos sujeitos a loucura, só não sabemos qual é....

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Cuidado com os rótulos


Alguém já assistiu o filme Meu filho meu mundo (Son-Rise: A Miracle of Love)? Esse é um filme que todos deveriam ver. Conta a história de um garotinho que é diagnosticado com autismo severo, e a luta de seus pais para livrarem ele desse rótulo. Os pais simplesmente não aceitam rotular seu filho e partem para ação. Quem disse que não há cura? Alguém já tentou algo diferente? Eles então com todo o seu amor e aceitação criam um programa para o filho. Esse programa se tornou o programa Son-Rise que funciona em vários países.

O mais bacana é aceitação incondicional dos pais pelo seu pequeno Raun. O que eles fizeram foi apenas estar com o filho e aceitá-lo da forma como ele era. Amando-o e respeitando-o, deixando que ele ficasse em seu mundo, até o momento em que quisesse vir ao mundo deles.

Os pais já tinham passado por intensas modificações antes de Raun. Eles decidiriam que viveriam com amor, e simplesmente isso. Isso foi o suficiente para amar o filho de maneira que ele ressurgisse de algo que ninguém acreditava que havia cura. Eles aplicaram os princípios da Teoria Humanista sem saber...

Esse é o problema dos rótulos. Você diz a uma pessoa que ela é aquilo e desiste dela. Muitas vezes a própria pessoa desiste dela mesma. Os pais ao lidarem com os filhos acabam colocando alguns rótulos que os filhos assumem e levam para a vida: "Esse menino é muito levado..." ou, "Esse não tem jeito, não consegue aprender nada...". Os filhos que muitas vezes estão tentando uma maneira de comunicar com os pais, acabam assumindo esses rótulos que lhe são colocados e agindo como os outros querem (ou esperam) que eles ajam.

Não aceitem os rótulos que lhes são impostos. Não há um diagnóstico no mundo que faça com que deixemos de ser o ser humano maravilhoso que somos. Com todo nosso potencial para crescer e vencer. Por isso gosto tanto de Rogers e sua teoria brilhante. É tão simples, basta amar o outro como ele é, sem querer que ele seja como nós queremos... ao mesmo tempo, sabemos que não é tarefa fácil....

Podemos receber alguns rótulos ao longo da vida, mas cabe a nós aceitá-los ou não. Nenhum rótulo diz de quem somos. A escolha é nossa. Devemos lembrar que não SOMOS alguma coisa, apenas ESTAMOS dessa ou daquela maneira. O tempo passa e mudamos a todo instante. Não somos hoje quem éramos amanhã... Estamos em movimento como o universo...

Por isso, vamos deixar nossa crueldade de lado e parar de rotular as pessoas. Fulano é muito isso, ou aquele outro é muito aquilo. Somos todos seres humanos em busca de viver o nosso melhor...

Mais uma dica de leitura: O livro Dibs em busca de si mesmo. Ele também mostra como um rótulo pode prejudicar uma criança, e como que por trás de um rótulo há sempre um ser maravilhoso esperando uma oportunidade de desabrochar...

Para saberem mais sobre o programa Son-Rise visistem o site abaixo. Nele você encontra videos de depoimentos de Raun e de seus pais... é realmente inspirador.

http://www.inspiradospeloautismo.com.br/Apoio/videos/AutismoVideo/AutismoVideo.html

domingo, 5 de abril de 2009

Incentivando a Liberdade


A princípio pensei em comentar sobre o filme Entre os Muros da Escola (Entre les Murs) que foi o vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2008. O filme retrata a realidade do sistema educacional na França. É um filme denso e que muito incomoda a quem assiste. Bom filme, mas prefiro falar de outro... O filme Escritores da Liberdade (Freedom Writers) que também é baseado em fatos reais. Não ganhou nada, e nem é Francês, mas transmite uma mensagem humanista e nos mostra como é possível transformar a vida de pessoas que já não acreditavam mais nelas mesmas.

O filme conta a história de uma professora novata que luta contra um sistema de pré-conceitos e valoriza alunos de diferentes etnias. Ela promove a integração dos diversos grupos e incentiva a leitura e expressão de sentimentos de seus alunos. As mudanças de comportamento realizadas pela professora Erin Gruwell em sua turma, demonstram como o comportamento assertivo é capaz de realizar transformações para melhoria de vida do individuo. O comportamento assertivo disponibiliza um novo repertório de comportamentos que irão possibilitar ao indivíduo modificar o seu comportamento e o ambiente em que vive. Os alunos de Erin Gruwell estavam acostumados a lidar com a realidade através do uso da violência, mas aprenderam que é possível lidar com ela através do conhecimento.

Gostaria de refletir alguns aspectos do filme, à luz da Análise Comportamental dos sentimentos. No início do filme, os alunos se apresentam de forma hostil uns com os outros e também com a nova professora Erin Gruwel. De acordo com Guilhardi (2002), “para entender as ações das pessoas e os sentimentos que acompanham tais ações, é necessário voltar um pouco atrás e localizar os eventos antecedentes que produziram simultaneamente os comportamentos e os sentimentos.” (*)

Com isso, podemos associar os comportamentos hostis que uns alunos manifestam em relação aos outros, com as contingências coercitivas que são presentes na vida de cada um deles. Até aquele momento, não havia alguém em suas vidas, que promovessem os sentimentos de auto-estima, responsabilidade e auto-observação, utilizando reforçamento positivo. O que percebemos, é que até aquele momento, a história dos alunos era construída, por punição e coerção.

Com a entrada da professora Erin Gruwel na classe, o sentimento dos alunos começam a se modificar, a partir da mudança de seus comportamentos. A professora começa uma valorização intensa do potencial de cada um, reforçando positivamente, seja por meio de elogios ou incentivos.

A professora percebe que devido aos grandes problemas enfrentados por cada aluno em suas vidas pessoais, ela inova seu método de ensino para incentivá-los a estarem ali. Ela entrega aos alunos cadernos, para que eles possam escrever sobre os aspectos e conflitos de suas vidas. Isso promove nos adolescentes, o sentimento de auto-observação, já que eles passam a escrever suas histórias, e entender melhor sobre suas próprias vidas e sentimentos.

Guilhardi (2002, p.96), escreve sobre a importância do papel desse sentimento:
“É fundamental que a pessoa aprenda a observar seus comportamentos e o contexto em que eles ocorrem: os antecedentes e as conseqüências que eles produzem. Só desta maneira a pessoa pode se tornar um agente ativo de sua própria vida, utilizando o potencial de poder se comportar como instrumento de ação para a transformação do ambiente. Os comportamentos de observar precisam ser aprendidos e essa tarefa cabe à comunidade verbal em que o indivíduo se desenvolveu e está inserido.” (*)

Erin, também auxiliar o comportamento de auto-observação em seus alunos, ao determinar que eles leiam o livro “Diário de Anne Frank”. Com isso, ela tenta promover que os alunos se respeitam uns aos outros, praticando a tolerância, para que guerras e conflitos possam ser evitados.

Em outros momentos, a professora ajuda que os sentimentos de Auto-Estima se desenvolvam em seus alunos, com reforço positivo a determinados comportamentos. Quando Erin propõe que os diários dos adolescentes, sejam transformados em livros, ela está apoiando, incentivando, reforçando o comportamento deles de escrever, e principalmente, valorizando o que eles escreveram.

Até aquele momento, os adolescentes não eram valorizados em nenhum comportamento que exprimiam, mesmo porque, eles estavam cercados por contingências punitivas e coercitivas. Guilhardi (2002) explica, que “a auto-estima é o produto de contingências de reforçamento positivo de origem social”. Como os pais da maioria dos adolescentes não conseguiram desenvolver esse sentimento de auto-estima, coube a professora Erin Gruwell essa tarefa, que ela realizou com brilhantismo.

O filme Escritores da Liberdade, merece ser visto. Aos analistas de comportamentos, o filme oferece possibilidades e ilustra como se dá a promoção de reforçamentos positivos, ao invés da utilização de punição e coerção. Além disso, o filme retrata como o processo educacional nas escolas pode influenciar positivamente na vida dos jovens. Podemos lembrar do mestre Carl Rogers com sua idéia de uma educação Centrada no Aluno, na qual o professor não é o sabe tudo, e os alunos não são apenas objetos do processo de aprendizagem.

A professora Erin Gruwel, mostrou que não é necessário manter padrões para que o sistema funcione, pelo contrário, ela mostra que a inovação é necessária de acordo com as exigências de cada turma. Sendo assim, o filme torna-se essencial para inspirar professores e educadores, com o intuito de que haja uma melhoria nos sistema educacional adotado, e para que os jovens sintam-se motivados a estudar.

A exemplos de Carl Rogers, Paulo Freire, Augusto Cury, e outros, que o foco da educação, seja antes as pessoas, do que apenas agregar conhecimentos.


(*) GUILHARDI, Hélio José. Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. In: BRANDÃO, Maria Zilah da Silva (Org.) Comportamento Humano: tudo (ou quase tudo) que você gostaria de saber para viver melhor. Santo André: ESETec Editores Associados, 2002, cap. 4, p. 63-98.

Mandamentos do Conselheiro Educacional
Eric Troncoso e Anita Repeto - Chile

1.Aceitarás a todo ser humano como a parte mais digna de sua própria natureza.
2.Não criarás expectativas teóricas acerca da perfeição humana.
3.Aceitarás o significado que o outro soube outorgar à sua própria existência.
4.Estarás disposto a tratar a cada ser e a cada coisa segundo seu uso ou segundo seu fim natural.
5.Te esmerarás por entender a realidade tal como é sofrida ou gozada pelo outro.
6.Estarás disposto a aceitar os modos de ser próprios e alheios com ânimo positivo.
7.Não mentirás, nem te mentirás.
8.Revelarás o que decidas revelar de ti, com simplicidade.
9.Crescerás em obediência à melhor opinião de tua própria natureza.
10.Honrarás em cada ser humano a dimensão de bem que espera de si, e chamarás a essa relação: empatia.

terça-feira, 24 de março de 2009

Nós e nossos vícios


Quando pensamos em vícios, geralmente nos remetemos às drogas. Porém sabemos que os vícios podem ser tanto físicos como emocionais. Existem pessoas viciadas em drogas, outras em alimentos, e ainda, aquelas que são viciadas em emoções ou em algum tipo de relacionamento.

A busca ansiosa pela vivência do vício tende a esconder necessidades internas que não estão encontrando oportunidades saudáveis de satisfação. Quando alguém, por exemplo, quer comer mais e mais, mesmo estando sem fome, talvez esteja mascarando uma fome por nutrição emocional. Quem sabe quer mais carinho e sentir-se protegido? Seu vício de comer, portanto, pode mascarar necessidades internas de ter mais atenção de sua família, por exemplo. E o que leva uma pessoa a buscar no vício o prazer que poderia ser saciado por meios bem mais construtivos?

É bem possível que o vício, seja este qual for, represente uma fuga da realidade. A pessoa tem medo de reconhecer e expressar diretamente suas mais profundas necessidades. Provavelmente ela considera, mesmo a nível inconsciente, que sofrerá menos ao se envolver com algum vício do que expondo suas carências, sua revolta e seus desejos. Então, em vez de declarar o que precisa, procura no vício tanto o esquecimento provisório desse anseio quanto o anestésico dessa dor de não se saciar verdadeira e saudavelmente. Prefere escapar daquilo que a faz sentir-se vazia através de alguma compulsão. E acaba aumentando esse mesmo vazio quando passa o efeito da “droga”, ainda mais que este poderá ser acompanhado de muita culpa e desconforto.

Como a dependência do viciado geralmente envolve os familiares, as maiores barreiras e, ao mesmo tempo, a grande esperança de cura estão vinculadas à família. A dinâmica familiar diante do vício de um de seus membros tende a ser crucial, tanto em termos de manter o viciado dependente quanto de resolução do problema. Como?
Há um princípio na Teoria Sistêmica (Familiar) que comprova esse fato. O princípio chama-se Homeostase e refere-se ao processo autorregulador que mantém a estabilidade do sistema e protege-o de desvios e mudanças. Na família, representa uma tendência da mesma em manter um certo padrão de relacionamento e empreender operações para impedir que haja mudanças nesse padrão de relacionamento já estabelecido.

Sendo assim, quando o “viciado” melhora, a família, ou um outro integrante específico, tende a piorar para manter o equilíbrio na dinâmica familiar. Nesse caso, caberá a cada um dos envolvidos nesse processo doloroso tentar resolver os conflitos juntos, com cada qual fazendo uma auto-observação. A ideia é entender que cada um tem um papel na família, mas que isso não deve ser permanente. Devemos considerar que podemos estar alimentando o vício do outro, em prol de uma autossatisfação inconsciente, a qual pode ter uma baixa autoestima por trás. Não é fácil aceitarmos a mudança do outro em um relacionamento familiar (e aqui se incluem também os casais), pois isso implica que também teremos que fazer a nossa parte na mudança. Podemos tentar manter o mesmo padrão ou promover a autotransformação de todo o sistema familiar.

Um exemplo é o da mãe que se sacrifica profissional ou afetivamente para cuidar de seu filho viciado. Quando este começa a melhorar, ela se sente confusa. Aquele papel que desempenhava na família, servindo-o quase que exclusivamente, é abalado. Agora ela terá de cuidar da sua vida afetiva ou profissional, as quais relegou em função do sacrifício que fez em ser útil ao filho. Inconscientemente, ela tende a evitar esse compromisso com seu parceiro e seu trabalho. Procura manter a função de servir ao filho. Eis a homeostase em ação. Ela, diante da melhora do filho, também precisa fazer um movimento progressista. Envolver-se de uma nova maneira com seu lado afetivo e profissional é o que é pedido dela nessa nova dinâmica familiar. Se ela fizer isso, estará ajudando seu filho, a si mesma e todos os familiares.

Podemos encontrar essa situação bem exemplificada no filme Quando um homem ama uma mulher (When a Man Loves a Woman). Diante da recuperação de sua mulher Alice Green (Meg Ryan), Michael Green (Andy Garcia) também precisa mudar muitos comportamentos. O papel que desempenhava na dinâmica familiar de sua vida conjugal e na criação das duas filhas precisou ser revisto, de modo a acompanhar os progressos de Alice. Enquanto Michael não percebeu essa necessidade, sua postura, de certa forma, alimentava o vício dela e colocava em risco a relação deles.

Algumas pessoas se casam sem querer ver como o outro é realmente. Então muitas vezes o que no início da relação parece ser legal ou engraçado, depois se torna o pivô das brigas e conflitos no relacionamento. No filme isso fica implícito, mas é possível notar que a princípio Michael se divertia com as atitudes de Alice quando ela estava alcoolizada. Provavelmente ele poderia ter convivido com isso durante todo o casamento e não ter percebido que aquilo era um problema para Alice. De certa forma alimentou o vício dela de maneira inconsciente (ou podemos dizer também que ele reforçava o comportamento de Alice). Com isso, ele também se mantinha em seu papel de homem maduro e responsável por todos.

É bom ressaltar que em uma família, seja com filhos ou não, todos são responsáveis pela dinâmica familiar. Então se há um viciado, o problema não é somente dele, é de todos os integrantes. Cabe a cada um perceber seu papel e assumir a responsabilidade nos relacionamentos. Todos somos co-responsáveis em uma família. Ao percebermos isso todos irão se envolver na resolução de problemas, sem definir vítimas nem culpados.
***
Esse artigo teve a contribuição de Yubertson Miranda

domingo, 8 de março de 2009

Uma Leitura do Julgamento


Assisti ao filme O Leitor (The Reader) pela segunda vez no cinema para fazer um trabalho na faculdade. Não me importei em assistir novamente ao filme, mesmo porque já tinha gostado da primeira vez que o vi. Apesar da riqueza do filme, e de vários temas como culpa, família e relacionamentos poderem ser abordados, quero aproveitar o enredo para refletir sobre uma questão específica.

No filme, Michael de 15 anos, vive uma paixão com Hanna, uma mulher bem mais velha do que ele. Meu foco não é o caso dos dois, mas o que ocorre após Hanna abandonar seu menino. Ela re-aparece 8 anos depois para ser julgada no tribunal por sua participação nos campos de concentração na época do Nazismo. E é sobre essa questão que gostaria de abordar: O Julgamento.

No filme Hanna é declarada culpada e sua pena é a prisão perpétua. Mas Hanna também é julgada por aqueles que assistem ao filme. Suas atitudes para “seduzir” um menino mais novo. Sua “covardia” por não se aceitar analfabeta. A ousadia de não se arrepender pelos crimes cometidos perante o Juiz. E finalmente, pela atitude tomada por medo do que o futuro a reservava. Todas essas atitudes nós julgamos como erradas. E acredito ser esse o nosso equívoco.

Não podemos julgar o que levou aquela mulher do filme a agir da maneira como agiu. Mas fazemos isso no filme e também na vida real. Julgamos tudo e todos, com NOSSOS valores morais. Claro que a lei deve ser cumprida e o tribunal dá a sentença que o Réu merece (talvez, nem sempre...). Mas nosso julgamento nada tem a ver com a Justiça legal, mas sim com nossa justiça moral.

Afinal, quem são os culpados? Como já afirmei no texto anterior, penso que nós devemos ter cuidado ao apontar os culpados ou inocentes em algum relacionamento, seja ele qual for. Não pensamos em quais circunstâncias o outro tomou aquela atitude que tanto recriminamos. Dizemos apenas que ela está errada. Claro que podemos ter nossa opinião pessoal (afinal somos seres humanos), mas eu acredito que um profissional, ou mesmo estudante de Psicologia, deve pensar muito nessa questão da moral e do julgamento, caso queira trabalhar com pessoas.

Nosso olhar deve ser Sistêmico o tempo todo. Não podemos apenas olhar para uma atitude isolada, mas olhar o todo e de preferência com os olhos daquele a quem ficamos tentados a julgar. Como julgar a subjetividade de cada um? Como julgar as escolhas? Cada um tem sua história, e merece ser respeitado por ela.
Talvez Hanna fosse simplesmente uma mulher ávida por aprender, mas orgulhosa demais para pedir...

"Julgar os outros é perigoso. Não tanto pelos erros que podemos cometer a respeito deles, mas pelo que podemos revelar a nosso respeito." Voltaire

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Assertividade, Sistêmica e Projeção


Estudei um pouco sobre Comportamento Assertivo no último semestre, e foi uma das matérias da Teoria Comportamental que me chamaram atenção. No mesmo período também aprendi um pouco sobre a Teoria Sistêmica, e consigo fazer algumas pontes com as duas abordagens.

Impressionante, como não percebemos nosso comportamento no dia-a-dia. Agimos de forma tão impulsiva ou inconsciente na maioria das vezes, que não ficamos atento para o momento presente, ou como nos relacionamos de fato com os outros.

As pessoas reclamam que não são bem tratadas, que são deixadas de lado, ou agredidas em seu relacionamento, mas o que será que cada um faz para modificar o seu próprio comportamento. Será que estamos transferindo para o outro a responsabilidade pela nossa vida?!

No Comportamento Assertivo devemos expressar nossas idéias, pensamentos ou desejos, de forma segura e tranquila, respeitando nossos direitos e sem agredir nem interferir no direito do outro. Porém, na maioria das situações mantemos comportamentos não-assertivos, que podem ser passivos ou agressivos. No Comportamento Passivo, deixamos nosso direito de lado para agradar ao outro; somos omissos diante da vida. O Agressivo, será aquele que impõe suas idéias e opiniões, geralmente se auto-enaltecendo. Na mesma situação podemos agir de maneiras variadas alternando entre os comportamentos.

Alguns já estão se perguntando: O que isso tem a ver com a Teoria Sistêmica? Em primeiro lugar, ambas as abordagens são de certo modo existencialistas, ou seja, acreditam que o ser humano não é algo pronto e acabado, ele não É, mas apenas ESTÁ de determinada forma. Sendo assim, podemos modificar nossos padrões e atitudes quando sentirmos necessidade, sendo que, algumas vezes precisaremos de ajuda de profissionais para isso.

Em um relacionamento de casal podemos identificar facilmente o comportamento que predomina em cada um. Geralmente a pessoa que se comporta de forma passiva, poderá ter um companheiro(a) que se comporta agressivamente. Isso é comum, pois um alimenta a postura do outro. Então já podemos falar da Teoria Sistêmica. Em um casal não há um vilão e um bandido como em filmes de bang-bang (ou como aparecem nas novelas). Ambos são pessoas imperfeitas que buscam viver um relacionamento perfeito juntas. O que acaba ocorrendo na maioria das vezes, é que o que sofre sempre coloca a culpa de seus problemas no outro. O passivo sofre calado aceitando as imposições do agressivo, que muitas vezes nem percebe o mal que está fazendo já que o passivo não fala sobre seus sentimentos. Na Teoria Sistêmica, sabemos que não há UM responsável por uma relação estar ruim. AMBOS são responsáveis, pois de alguma forma um alimenta o comportamento/atitude do outro.

Um ótimo filme em cartaz que ilustra um pouco essa situação, chama-se: Foi apenas um Sonho (Revolutionary Road). Aliás, quase todas as abordagens principais da Psicologia, podem ser estudadas com esse filme, mas eu vou focar apenas nas duas já mencionadas.

O filme aborda o relacionamento do casal April e Frank, personagens de Kate Winslet e Leonardo DiCaprio. Ela era uma atriz sem sucesso, e deixa sua carreira devido ao casamento e a falta de reconhecimento em sua profissão. Ele segue os passos do pai trabalhando em uma empresa há anos, sem saber qual o seu talento e o que realmente deseja para sua vida profissional. Com o tempo a vida dos dois se transforma em uma rotina que pode ser a da maioria dos casais. Eles têm dois filhos, uma bela casa, e são defrontados com suas próprias escolhas.

O casal que era um modelo, se torna infeliz. Ao contrário do que muitos dizem, não foi o casamento que fez isso a eles. A infelicidade do casal ocorreu devido às suas expectativas frustradas. Eles projetaram no outro seus sonhos, esperando que fossem realizados, mas sem fazer o movimento necessário para que isso acontecesse. Ambos mantém a passividade em muitos momentos, vivendo cada um no seu mundo de sonhos e ideais, sem dizer ao outro quais eram seus reais desejos.

O filme pode ser tendencioso e ás vezes mostrar que um dos dois é culpado pela situação da relação decadente. Eu não percebi dessa maneira. Ao meu modo de ver, cada um contribuiu significativamente para que a relação chegasse aquele ponto. Em um dado momento April deseja mudar. Mas podemos perceber que ela não o faz por Frank, mas por desejar viver seus próprios sonhos frustrados. Porém, a falta dessa percepção faz com ela se decepcione novamente, por colocar em Frank todas as suas expectativas. Ironicamente, um “Louco” conhecido do casal, acaba por expor os dois às suas próprias sombras, forçando Frank e April a retirarem suas máscaras e a revelarem, de forma dolorosa, seus reais desejos.

Não adianta vivermos a vida esperando que o outro resolva nossos problemas. Isso vale para qualquer relacionamento. Não precisamos esperar que o “Louco” intervenha para expor nossos sentimentos. Algo está errado? Vamos parar de colocar a culpa no externo e ver o que estamos fazendo para permanecer na situação. Vamos fazer um treino diário, e tentar agir de maneira assertiva em nossos relacionamentos, assumindo as rédeas de nossa vida. Com isso conseguiremos viver melhor com quem está ao nosso lado e seremos leais aos nossos valores e desejos, sem tanto sofrimento.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Simplesmente Mulher

 

Gostaria de refletir um pouco sobre o papel da mulher nos dias de hoje e acredito que há um paradigma em torno dessa questão. O paradigma de que a mulher é frágil e de que em toda mulher há o desejo de ser mãe. E, por isso, ela deve ser doce, carinhosa e compreensiva.  Por outro lado, existe a idéia de que devemos ser tratadas e valorizadas como os homens no ambiente profissional.

 

Infelizmente, ainda existe um certo machismo do século passado nos dias de hoje. Tanto que encontramos empresas nas quais há diferença salarial entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo, principalmente nos cargos mais altos. Por isso, talvez as mulheres se sintam no dever de trabalhar mais para mostrar seu valor. O movimento feminista ajudou com que saíssem de suas casas e fossem para o mercado de trabalho. Porém, não garantiu que ambos os sexos seriam tratados da mesma maneira.

 

Mas o que realmente faz a diferença? A forma como o outro me vê ou a forma como eu mesma me percebo? Acredito que as mulheres que lidam bem consigo mesmas e com os papéis que devem desempenhar, não estão brigando por melhores salários. Elas já tem! E  não se preocupam se os homens ganham mais ou não. Elas se importam com seu próprio valor, com quem são em sua essência.

 

É possível ilustrar melhor essas questões com o filme Simplesmente Alice, do diretor Woody Allen. No filme, a personagem Alice, representada pela atriz Mia Farrow, possui uma vida familiar estável, com filhos, marido e conforto. Porém, conhece um outro homem e começa a ter fantasias a seu respeito. Ela decide procurar um médico chinês, devido a algumas dores no corpo. No entanto, o chinês entende o que Alice realmente precisa. Ele receita um tratamento à base de ervas mágicas, o qual irá mudar a vida dela por meio de uma jornada fascinante de autoconhecimento.

 

Ao longo do filme, Alice vê seu "mundo perfeito" desmoronar. Ela trai seu marido e também descobre a traição do mesmo. Quando opta pela separação e por ficar com o amante, este resolve voltar para sua ex-esposa. Ela se vê sozinha. Então, percebe que sua busca não é por um companheiro que a ame. Ela descobre que o que lhe falta para ser feliz, é ela mesma se amar e ir em busca de seus próprios ideais.

 

Ao meu ver, Alice descobre sua plenitude ao descobrir ela mesma, ou seja, ao seguir seus próprios desejos, e não o desejo dos outros. Ela saiu do "complexo de ser boazinha" para lutar pelo que ela queria, para buscar o que estava em sua essência.

 

Esse termo utilizado, o qual remete ao fato da mulher ter que ser boa, retirei de um dos contos descritos no livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola. Esse excelente livro sobre o universo feminino busca o resgate do arquétipo da mulher selvagem que existe dentro de cada uma de nós. A autora coloca que devemos ser fortes. Não uma força física, mas encontrar nossa própria essência, sem fugir, e, sim, convivendo ativamente com a natureza selvagem ao nosso próprio modo. Significa ser capaz de aprender e agüentar o que sabemos de nós mesmas. Manter-se firme e viver (ESTÉS, 1994).

 

Sendo assim, podemos ser como a personagem Alice do início do filme, ao viver uma vida vazia, dependente do outro. Ou descobrir nossa essência, nos libertando desse estereótipo de "boazinha", para alcançar nossos reais desejos. Temos a escolha de ser terna e maternal, como independente e rebelde. Ou, quem sabe, podemos ser nós mesmas, com nossos anseios, dúvidas e angústias. Somos capazes de administrar os diversos papéis que nos são impostos pela sociedade, mas sem nos subtermos a eles. Convém respeitar a singularidade do que ser mulher representa para cada uma e percorrer o constante caminho do autoconhecimento. Portanto, não nos esqueçamos da mulher selvagem que existe em nós, e que está sempre pronta para os desafios que surgirem pelo caminho.

Não precisamos ser iguais aos homens, mas sim, viver o ser mulher de forma plena e satisfatória!!

 

Artigo originalmente publicado em www.personare.com.br/revista (postado aqui com algumas alterações).



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Resgatando nossa criança interior




Já faz um tempo gostaria de escrever sobre a nossa criança interior. Essa idéia me ocorreu a partir do filme Duas Vidas (The Kid), depois de assisti-lo pela quinta vez para um trabalho na faculdade. Gosto de utilizar os filmes como metáforas para ilustrar situações corriqueiras de nossas vidas, e alguns deles têm muito a nos dizer.



Nesse filme, Bruce Willis faz o papel de Russ, um executivo frio e ambicioso, que aparentemente não mantém nenhuma relação de afeto por ninguém. Porém, em dado momento, ele se depara com Rusty, ele mesmo aos 8 anos, e começa a rever as escolhas que fez em sua vida. O filme revela o quanto uma criança ferida pode transformar a vida de um adulto.



Todos temos uma criança interior que precisa ser lembrada. Na correria do dia-a-dia, acabamos não lhe dando a atenção necessária. Também não pensamos que uma dificuldade vivida hoje, pode ser reflexo dessa criança ter sido ferida no passado.



Em algum momento, podemos pensar: "Bons tempos aqueles em que eu era criança e não tinha tantas responsabilidades." Na verdade, não é isso que estamos pensando, já que esse sentimento é desenvolvido desde cedo em nossas vidas. O que sentimos falta realmente é da Liberdade. "Como assim?", alguns podem perguntar. Afinal, considera-se que a liberdade só chega a partir dos 18 anos. Deixe-me explicar melhor.



A criança é livre, pois não tem medo de errar. Arrisca-se a cair e a levantar quantas vezes forem necessárias, sem preocupações com o tempo ou com a opinião alheia. Aproveita tudo que a vida tem para oferecer em cada momento. Experimenta o que quer e da forma que deseja sem medo de acabar. Aquele chocolate único e delicioso, que nós adultos comemos aos poucos, a criança o mastiga por completo. Porque ela prefere saboreá-lo em sua boca por um longo tempo, sem medo de que ao terminar não haverá mais. Ela deseja ser feliz agora. A criança diz às pessoas como se sente, sem medo de julgamentos.



Por esses e outros motivos, éramos livres quando criança. Livres das amarras que nós próprios criamos ao longo de nossa vida. Livres do medo do pré-julgamento dos outros. Éramos livres do medo de ser feliz.



O Russ adulto era uma criança ferida. No filme, ele teve a chance de voltar no tempo e perceber em qual momento foi marcado pela dor. O menino Rusty o ajudou lembrando-o como era bom ser criança.



Portanto, se quisermos mesmo entender e resgatar nossa criança interior, basta olhar para dentro e ouvir o que ela tem a nos dizer. Nossa criança pode não estar ferida, mas merece ser sempre amada.



O que proponho não é pararmos no tempo, tal como alguns adultos fazem ao manter comportamentos infantis. É, sim, sabermos quando e como darmos vazão a essa criança que existe em nosso íntimo. Para isso, não tenha vergonha quando ela quiser se manifestar. Viva e se esbalde, pois essa é uma ótima oportunidade de viver o agora.



Algumas sugestões podem lhe ajudar a resgatar sua criança ferida:


- Vá ao supermercado e compre coisas que você normalmente não come com as mãos. Leve para a casa e se lambuze saboreando tudo;


- Faça barulhos com objetos em casa, só para ouvir os sons. Não esqueça as panelas e talheres;


- Repita em voz alta por vinte vezes a palavra não;


- Arrisque confiar em um amigo de quem você gosta. Deixe que ele faz os planos e controle o que fizerem juntos;


- Reserve períodos de tempo para não fazer nada, não ter planos, não ter compromissos, simplesmente curtir;


- Deite-se numa rede e fique ali se balançando pelo tempo que quiser;



Uma outra técnica para o resgate da nossa criança interior, consiste em escrever cartas para ela em vários estágios de seu desenvolvimento. Para o bebê interior, para a criança que começa a andar, na idade pré-escolar até a adolescência, e também para os Pais. Não precisa ser nada muito elaborado, apenas deixe as idéias aflorarem em sua mente. Talvez esta seja a hora certa para cicatrizar algumas feridas.



Artigo originalmente publicado em www.personare.com.br/revista (Postado aqui com algumas alterações).