domingo, 12 de setembro de 2010

O que cultivamos para nós?


A outra face da raiva (The upside of anger) conta a história de uma mulher amargurada pelo abandono do marido que precisa lidar com as quatro filhas. Parece uma historinha clichê, mas oferece ótimas reflexões.

O filme é narrado, em alguns momentos, pela filha mais nova e adolescente da personagem principal Terry Wolfmeyer (Joan Allen). A filha em algumas passagens do filme diz que mãe era doce e afetuosa antes do sumiço do marido. Contudo essa é uma faceta que não é revelada pela personagem, a não ser nos últimos minutos do filme.

Terry acredita que seu marido a traiu e fugiu com uma secretária. Com isso cultiva durante toda a história uma grande amargura da vida. Por sentir-se abandonada e humilhada fecha-se em uma redoma e é sempre muito dura e exigente em seus relacionamentos. As filhas percebendo a mudança da mãe, passam a afrontá-la, cada uma a sua maneira. Curiosamente, a filha mais nova, a adolescente, tratadas por todas as outras e pela mãe como criança é a que se mostra mais madura durante a história.

O filme revela algumas mudanças no ciclo familiar. A filha mais velha que está se formando e iniciando nova família. Uma das filhas que escolhe trabalhar ao invés de estudar e se relaciona com um homem com o dobro de sua idade. A outra que simplesmente quer estudar algo que lhe dá prazer mesmo contra a vontade da mãe. A mais nova que se encanta por um outro adolescente e descobre que ele é gay. E a mãe que tenta iniciar um novo relacionamento com um ex-jogador de beseiboll que leva a vida de maneira descompromissada. Todas essas mudanças acabam gerando uma infinidade de conflitos, nas quais a matriarca da família não consegue lidar com tranqüilidade. Terry então se mantém na postura de vítima, da mulher que foi abandonada e utiliza disso como defesa e arma em suas relações. Contudo a convivência com Denny (Kevin Costner), que se torna o novo namorado e que aparentemente é o oposto de Terry, permite que ela vá ficando mais flexível. Ele compreende seu mau-humor constante e respeita seu espaço mesmo que algumas vezes pareça estar distante e desinteressado. Ele acaba trazendo leveza para uma família cheia de tensões.

O que é bacana de pensarmos com esse filme é o quanto nos prendemos a determinados sentimentos e situações, e como nós mesmos criamos certos problemas. Claro que é inevitável fugirmos das mudanças dos ciclos familiares. É um processo natural: Sair de casa, constituir nova família, ter filhos, trabalhar, aposentar, os filhos que saem de casa, lidar com as perdas. Mas isso tudo não precisa ser vivido com tanta amargura e sofrimento. Os conflitos às vezes são necessários para nosso crescimento e amadurecimento. E inicialmente entendemos a amargura de uma mulher que se sente traída e abandonada. Mas porque estender a dor? Por que cultivar tanto tempo um sentimento tão pesado como a raiva? A raiva também é natural e não deve ser reprimida, de maneira alguma. Mas como cada sentimento devemos vivê-lo e deixar que ele se vá. Melhor ainda se pudermos aprender com ele. A personagem cultiva sua raiva, gerando cada dia um novo conflito ou criando um novo problema. Apenas no final ela percebe quanto tempo desperdiçou de sua vida com algo completamente irreal, e com um problema criado por ela mesma. Ela então precisa elaborar o luto. O luto de uma raiva que não era necessária, o luto de um ciclo que termina para outro iniciar, o luto da morte.

Escutei uma vez de uma amiga psicóloga que o passado não deve servir de sofá, para nos sentarmos e acomodarmos, mas sim um trampolim para que possamos nos lançar a novos aprendizados. Terry viveu 3 anos de sua vida presa a um único acontecimento. Precisamos aprender a cultivar coisa leves e que nos dêem prazer de viver. Viver o presente já é um bom adubo. Afinal é isso a única coisa que nos pertence e que temos verdadeiramente: O Presente!

Acredito que a pergunta que deve ser uma constante em nossa vida: o que estou cultivando para mim é mesmo necessário?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Está na hora de sairmos da Matrix!


A vida nos ensina, isso é fato! Resolvi reler um livro que havia lido há alguns anos atrás. Um livro que foi marcante na época em que li, mas que já não me lembrava com tanta nitidez de seus ensinamentos. Voltou no momento certo. E me fez entender minha fascinação pelos ensinamentos dos filmes. Tudo são na verdade ensinamentos da vida. Por isso transcrevo aqui um dos capítulos do livro ILUSÕES – As aventuras de um Messias Indeciso de Richard Bach. Pra mim esse é o melhor de seus livros pois contém o ensinamento dos outros. Espero que gostem e sintam-se incentivados para ler o livro por inteiro.
E por quê essa foto? Pois pra mim o filme Matrix ilustra um pouco tudo isso! Afinal, a colher não existe ;-)

Obs: Esse livro é facilmente encontrado para download na internet pois faz parte do projeto democratização da leitura.

Capítulo 8

Terminamos o dia em Hammond, Wisconsin, transportando alguns passageiros de segunda-feira. Depois fomos até a cidade a pé para jantar e voltamos.
- Don, concordo que esta vida pode ser interessante ou cacete ou o que quer que desejamos que seja. Mas mesmo em meus momentos mais brilhantes nunca consegui descobrir por que estamos aqui, para começar. Fale-me algo sobre isso.
Passamos pela loja de ferragens (fechada) e pelo cinema (aberto: Butch Cassidy and the Sundance Kid) e, em vez de responder, ele parou e virou na calçada.
- Você tem algum dinheiro, não?
- Muito. Mas o que é que há?
- Vamos ver o filme - disse ele. - Você paga?
- Não sei, Don. Vá você. Vou voltar para os aviões. Não gosto de deixá-los sozinhos por tanto tempo.
O que havia de tão importante, de repente, num filme?
- Os aviões estão bem. Vamos ao cinema.
- Já começou a sessão.
- Então entramos atrasados.
Ele já estava comprando sua entrada. Acompanhei-o à sala de projeção e nos sentamos na última fila. Devia haver umas 50 pessoas em volta de nós, no escuro.
Depois de algum tempo, esqueci-me do motivo pelo qual estávamos ali e me interessei pelo filme, que sempre considerei um clássico, de qualque r forma;aquela era a terceira vez que via Sundance. O tempo que passamos no cinema se espiralou e se espichou, como acontece com um bom filme, e, durante algum tempo, fiquei observando os detalhes técnicos... como cada cena era projetada e adaptada à seguinte, por que uma cena naquele momento e não mais tarde. Tentei olhar desse modo, mas me envolvi na história e esqueci. No pedaço em que Butch e Sundance são cercados por todo o exército boliviano, quase no final, Shimoda tocou no meu ombro. Inclinei-me para ele, olhando o filme, querendo que deixasse para depois o que tinha para dizer.
- Richard?
- Sim.
- Por que você está aqui?
- É um bom filme, Shimoda. Pssiu.
Butch e Sundance, cobertos de sangue, estavam dizendo por que deviam ir para a Austrália.
- Por que é bom? - perguntou ele.
- Ê divertido. Pssiu. Depois eu conto.
- Pare com isso. Acorde. É tudo ilusão.
Fiquei irritado.
- Donald, só mais alguns minutos e depois podemos conversar quanto você quiser. Mas me deixe ver o filme, OK ?
Ele sussurrou intensamente, dramaticamente:
- Richard, por que você está aqui?
- Escute, estou aqui porque você pediu para virmos aqui!
Virei-me e tentei assistir ao final.
- Você não precisava vir, podia ter dito: não, obrigado.
- GOSTO DO FILME...
Um homem na minha frente virou-se para me olhar por um instante.
- Gosto do filme, Don; há alguma coisa de errado nisso?
- Nada, em absoluto - falou ele.
E não disse mais uma palavra até o filme acabar e passarmos pelo lote de tratores usados, nos dirigindo para o escuro, para o campo e os aviões. Estava ameaçando chuva.
Pensei sobre o seu estranho comportamento no cinema.
- Você faz tudo por algum motivo, Don?
- Às vezes.
- Por que o filme? Por que de repente você quis ver Sundance.
- Você fez uma pergunta.
- Sim. E você tem uma resposta?
- É essa a minha resposta. Fomos ao cinema porque você fez uma pergunta.
O filme foi a resposta à sua pergunta.
Estava rindo de mim, eu sabia.
- Qual foi a minha pergunta?
Seguiu-se um silêncio prolongado e magoado.
- A sua pergunta, Richard, foi por que mesmo em seus momentos mais brilhantes você nunca conseguiu descobrir por que estamos aqui.
Lembrei-me.
- E o filme foi a minha resposta.
- Foi?
- Você não compreende - disse ele.
- Não.
- O filme foi bom - continuou - mas o melhor filme do mundo ainda assim é uma ilusão, não é mesmo? As fotos nem sequer estão se movendo: apenas parecem estar se movendo. Luzes variáveis que parecem mover-se por uma tela plana montada no escuro?
- Bem, sim.
Eu estava começando a compreender.
- As outras pessoas, quaisquer pessoas, em qualquer lugar, que vão assistir a qualquer filme, por que estão lá, quando é tudo ilusão?
- Bem, é um divertimento - disse eu.
- Divertimento. Certo. Um.
- Pode ser educativo.
- Bom. Sempre é isso. Aprender. Dois.
- Fantasia, fuga.
- Isso também é divertimento. Um.
- Motivos técnicos. Ver como se faz um filme.
- Aprender. Dois.
- Fuga do tédio...
- Fuga. Você já disse isso.
- Social. Para estar com os amigos - disse eu.
- Motivo para ir, mas não para ver o filme. Isso é divertimento, de qualquer forma. Um.
Tudo o que eu inventava se adaptava aos dois dedos dele; as pessoas vêem os filmes por divertimento, para aprender ou ambos.
- E um filme é como uma vida, Don, certo?
- Sim.
- Então, por que alguém vai escolher uma vida má, um filme de terror?
- Não somente vão assistir a um filme de terror para se divertirem, como sabiam que ia ser um filme de terror quando entraram - disse ele.
- Mas por que...?
- Você gosta de filmes de terror?
- Não.
- Nunca os vê?
- Não.
- Mas não há gente que gasta muito tempo e dinheiro para ver o terror, ou problemas novelescos que para outras pessoas são monótonos e cacetes...?
Ele deixou que eu respondesse à pergunta.
- Sim.
- Você não é obrigado a ver os filmes deles e eles não são obrigados a ver os seus. É o que se chama de “liberdade”.
- Mas por que é que alguém havia de querer ficar apavorado? Ou caceteado?
- Porque acham que o merecem por apavorar outras pessoas, ou gostam da emoção do pavor, ou então acham que os filmes devem ser cacetes. Você pode acreditar que muitas pessoas, por motivos justos para elas, gostam de crer que são desamparadas em seus próprios filmes? Não, não pode.
- Não posso, não - disse eu.
- Até você compreender isso, vai ficar imaginando por que algumas pessoas são infelizes. Elas são infelizes porque resolveram ser infelizes, e, Richard, isso está certo!
- Hummm.
- Somos criaturas que brincam, que se divertem, somos as lontras do Universo. Não podemos morrer, não nos podemos ferir mais do que se podem ferir as ilusões na tela. Mas podemos acreditar que estamos feridos, com todos os detalhes agonizantes que quisermos. Podemos acreditar que somos vítimas, mortas e matando, envolvidas pela boa e pela má sorte.
- Muitas vidas? - perguntei.
- Quantos filmes você já viu?
- Ah.
- Filmes sobre viver neste planeta, ou em outros planetas; qualquer coisa que tiver espaço e tempo é filme e ilusão - disse ele. - Mas por algum tempo podemos aprender muita coisa e nos divertir muito com nossas ilusões, não é?
- Até onde você leva esse negócio de filme, Don?
- Até onde você quer? Hoje viu o filme em parte porque eu o queria ver.
Muitos escolhem determinadas vidas porque gostam de fazer coisas juntos. Os
atores do filme de hoje já representaram juntos em outros filmes... antes ou depois, depende de qual filme você viu primeiro, e você os pode ver ao mesmo
tempo em telas diferentes. Nós compramos entradas para esses filmes, pagando a admissão, concordando em acreditar naquelas realidades do espaço e do tempo... Nenhuma das duas é a verdade, mas quem não quiser pagar esse preço não pode aparecer neste planeta, nem em qualquer sistema de espaço-tempo.
- Existem pessoas que não têm vidas no espaço-tempo?
- Existem pessoas que nunca vão ao cinema?
- Sei. Aprendem de modos diferentes?
- Certo - disse ele, satisfeito comigo. - O espaço-tempo é uma escola
bastante primitiva. Mas muita gente fica com a ilusão, mesmo que seja cacete, e não quer que as luzes se acendam muito cedo.
- Quem escreve esses filmes, Don?
- Não é estranho ver o quanto sabemos, se nos fizermos as perguntas, em vez de perguntar aos outros? Quem escreve esses filmes, Richard?
- Somos nós - disse eu.
- Quem os representa?
- Nós.
- Quem é o cinegrafista, o projetor, o gerente do teatro, o bilheteiro, o distribuidor, e quem assiste ao trabalho de todos? Quem tem a liberdade de sair no meio, a qualquer momento, mudar o enredo, quem é livre para ver o mesmo filme várias vezes?
- Deixe-me adivinhar - disse eu. - Quem o quiser?
- Isso basta como liberdade para você? - perguntou ele.
- E é por isso que os filmes são tão populares? Instintivamente sabemos que são um paralelo de nossas próprias vidas?
- Talvez sim... talvez não. Isto não importa muito, certo? O que é o projetor?
- A mente - disse eu. - Não. A imaginação. É a nossa imaginação, diga você o que quiser.
- O que é o filme? - perguntou.
- Aí você me enrascou.- Tudo o que permitimos que entre em nossa imaginação?
- Talvez, Don.
- Você pode segurar nas mãos um rolo de filme - disse ele - que esteja completo; princípio, meio e fim estão todos ali, naquele mesmo segundo, milionésimo de segundo. O filme existe além do tempo que ele registra, e se você souber qual é o filme, sabe de antemão o que vai acontecer, em linhas gerais: haverá batalhas e agitação, vencedores e perdedores, romance e desastre; você sabe que tudo isso estará ali. Mas a fim de ser envolvido e empolgado por aquilo, a fim de apreciá-lo ao máximo, você tem de colocá-lo num projetor e deixar que passe pela lente de minuto em minuto... Qualquer ilusão exige espaço e tempo para ser experimentada. Portanto, você paga o seu níquel, compra a entrada, se instala, se esquece do que está se passando fora do teatro e o filme começa para você.
- E ninguém se machuca de verdade? O sangue é só molho de tomate?
- Não. É sangue mesmo - respondeu. - Mas bem que poderia ser molho de tomate, pelo efeito que tem em nossa vida real...
- E a realidade?
- A realidade é divinamente indiferente, Richard. Uma mãe não se importa com o papel que o filho representa em suas brincadeiras; um dia o vilão, no outro, o mocinho. O Ser nada sabe a respeito de nossas ilusões e brincadeiras. Só conhece a Si, e a nós, à sua semelhança, perfeitos e acabados.
- Não sei bem se quero ser perfeito e acabado. Fale sobre o tédio...
- Olhe para o céu - disse ele. Foi uma mudança de assunto tão rápida que olhei para o céu. Havia uns cirros fragmentados, bem no alto, os primeiros raios de Lua prateando as bordas.
- Céu bonito - disse eu.
- É um céu perfeito?
- Bem, é sempre um céu perfeito, Don.
- Você quer dizer que, embora mude a todo instante, o céu é sempre um céu perfeito?
- Puxa, como sou esperto. Sim!
- E o mar é sempre um mar perfeito, e está sempre mudando, também - disse ele. - Se a perfeição for a estagnação, então o céu é um pântano! E o Ser não é propriamente um fruto do pântano.
- Perfeito, e mudando o tempo todo. Sim, aceito isso.
- Você já aceitou há muito tempo, se insiste no tempo.
Virei-me para ele, enquanto caminhávamos.
- Você não se chateia, Don, de ficar sempre apenas nesta dimensão?
- Ah. Estou ficando apenas nesta dimensão? - perguntou. - E você?
- Por que é que tudo o que digo é errado?
- Tudo o que você diz é errado?
- Acho que estou no negócio errado.
- Você acha que talvez o negócio imobiliário...? - perguntou ele.
- Imobiliário ou seguros.
- Há futuro no imobiliário, se é isso que você quer.
- OK. Desculpe - disse eu. - Não quero um futuro. Nem um passado. Prefiro me tornar um bom Mestre do Mundo da Ilusão. Está parecendo que será dentro de mais uma semana?
- Bem, Richard, espero que não demore tanto assim!
Olhei-o com cuidado, mas ele não estava sorrindo.

sábado, 24 de julho de 2010

A vida é o que você faz dela


Assisti recentemente ao filme Linha de Passe e mais uma vez vejo a sistêmica atuando. O filme conta a história de Cleusa uma mãe de 4 filhos que são supostamente de pais diferentes. Nenhum dos pais dos meninos é conhecido. Contudo a única certeza que podemos ter é que Reginaldo, o filho mais novo e o único de origem negra, tem um pai diferente dos outros 3 irmãos.

Cada um dos filhos tenta suprir, a sua maneira, a ausência paterna. Reginaldo, o mais desafiador, segue pela cidade entrando nos ônibus dirigidos por motoristas negros. Com isso espera ser reconhecido por um suposto pai que teria aquela função. Talvez o desejo e o fascínio de Reginaldo por dirigir ônibus o tenha levado a essa busca. Ou quem sabe a busca criou seu desejo em dirigir? O fato é que ao realizar seu desejo ele acaba se satisfazendo e se reconhecendo com uma figura paterna: o motorista negro do ônibus.

Dario sonha em ser jogador de futebol. Como vários meninos de classe mais baixa que almejam ter um futuro melhor realizando um sonho de jogar profissionalmente em um grande time. Dario encontra uma figura paterna em seu treinador, que o incentiva mesmo com a idade avançada do garoto: “Garrincha foi descoberto com 19 anos” diz o técnico ao menino que expressa toda sua frustração ao completar 18 anos e ver o sonho de ser um jogador de futebol ficar mais longe.

Dênis é um motoboy. Enfrenta a loucura do trânsito em meio a uma correria sem fim. Ele acaba por reproduzir sua história, tendo um filho como uma garota que também não deseja que o pai de seu filho esteja presente. Ele busca suprir seu desamparo no trabalho, e acredita que o dinheiro é a única maneira possível de ele ser reconhecido. No fim ele mostra que apenas não deseja ser invisível, quer ser visto.

Dinho é o devoto. Encontra na religião a solução. Para ele Deus é o pai protetor que o livra do desamparo, exemplo típico do que Freud explicou no seu texto O Futuro de uma ilusão. Contudo ele reprime seus desejos sexuais e se decepciona com o pastor que almeja lucros. Sabemos que a sombra escondida em algum momento desejará aparecer, e com Dinho não seria diferente. Mas ao final ele reafirma seu compromisso com Deus sentindo-se talvez perdoado por seus pecados.

A metáfora da família é uma pia que não desentope. As frustrações, angústia e desamparo barram a água de fluir. A mãe não fala dos pais dos garotos e briga com quem pergunta. Ela se diz mãe e pai dos meninos. E ela grávida, fica desejosa de ser enfim uma menina, para que ela não tenha mais figuras masculinas que a lembrem dos maridos esquecidos.

Apesar de todas as dificuldades a esperança persiste. Esperança de fazer aquele gol tão importante, de ser visto, de ser salvo, de dirigir um ônibus e de ter uma menina. Os irmãos mesmo sendo de pais diferentes unem-se nas dificuldades e ajudando uns aos outros. Afinal, para que uma Linha de Passe funcione bem no futebol, todos devem estar prontos em sintonia para receber e tocar a bola no momento certo, para que juntos armem uma boa jogada, façam um gol, e comemorem uma vitória ao final. E é isso que essa família deseja.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Já conversou com seu Sintoma hoje?



Hoje me lembrei de um ótimo livro. A Jóia na Ferida de Rose Emily Rothemberg. Já faz um tempo que o li, mas ultimamente a necessidade de se compreender os sintomas estão mais presentes então me lembrei desse livro.

Na capa do livro há uma frase de impacto “O corpo expressa as necessidades da psique e oferece um caminho para a transformação”. Uau!! Isso revela o conteúdo do livro. A autora conta sua jornada (dolorosa) em busca de um sentido para suas quelóides que aparecem desde criança.

Imaginem carregar um sintoma por toda a vida? Parece ruim, mas essa autora junguiana mostra que isso pode ser uma grande vantagem se entendemos o significado dele. Mas é importante perceber a diferença entre ter um sintoma e permanecer na dor.

Os sintomas não aparecem por acaso. Alguns mais céticos podem dizer: “Saia em uma noite fria sem agasalho que você irá gripar e não tem nada de ‘psicológico’ nisso”. Mas se fosse assim, simples assim, nos países da Europa que as pessoas vivem em meio a um frio abaixo de zero, todos viveriam gripados, pois não há roupa que sustente um frio tão intenso. E no entanto por que somente alguns gripam?

Outra reflexão são sobre os novos sintomas, aqueles ditos da sociedade contemporânea. Como por exemplo, a anorexia e síndrome do pânico. Se a mídia impõe padrões de beleza que induzem garotas a desejarem um corpo ideal, então por que todas as modelos e jovens não possuem anorexia ou bulimia? Há algo de singular e isso é inegável. E esse particular precisa ser ouvido.

O problema é que sempre queremos a solução mais fácil e rápida. Tem uma dor de cabeça, toma logo uma neosaldina. Está com dor no corpo, engole um dorflex e está resolvido. Intestino preso, tome algo pra soltar, intestino solto, tome algo pra prender... e assim as indústrias farmacêuticas agradecem, pois elas lucram com nosso sofrimento... aliás, esse sofrimento continua, é a dor que acaba... e mesmo assim, provisoriamente.

Resolvemos a dor de cabeça hoje, e amanhã ela está de volta. Então nos tornamos escravos do remédio, pois queremos alívio. Se todos soubessem como economizariam (em todos os sentidos) se procurassem a CAUSA de seus sintomas. Uma análise ou psicoterapia para alguns custa caro, mas isso porque não colocam no papel o quanto gastam com medicamentos ao longo da vida, sendo que na maioria das vezes, eles são desnecessários. Claro que não digo com isso, “parem de tomar remédios e vão aos psicólogos”. Alivie sua dor, mas procure entendê-la para que ela não volte mais tarde ou desloque para outra coisa.

Não há porque ficar sofrendo horrores com uma dor de cabeça que não passa tentando entendê-la. Pode tomar um remédio sim, mas pergunte a essa dor de cabeça o que ela quer dizer pra você. Nosso corpo nos alerta todo o tempo. Sempre nos diz quando algo está errado. E quando vamos correndo tomar um remédio sem nem buscar ouvir o que o corpo tem a dizer, um dia ele pode se calar de vez. Precisamos aprender a nos escutar melhor. Para isso uma psicoterapia ajuda, mas isso não é porque o psicólogo irá saber mais de você do que você mesmo. Ela ajuda pois falando com outra pessoa (um profissional preparado é claro), você acaba se ouvindo melhor também. O psicólogo (ou analista) acaba sendo um espelho.

Há um porém nessa história. Às vezes gostamos de nossa dor. Apegamos-nos a ela e não queremos soltá-la mais. Aceitamos os rótulos que são impostos a nós (como já escrevi aqui anteriormente). Você NÃO É alguma doença, apenas está com ela. Achamos que se não tivermos essa dor (ou uma doença) não seremos mais vitimas, as pessoas não vão mais olhar para nós, ninguém irá nos valorizar.

Pois o valor maior quem nos dá, somos nós. Não podemos esperar isso de ninguém. E nosso maior aliado é nosso corpo. Ele fala por nós. O que não ouvimos do nosso inconsciente, ele expressa por meio de um sintoma. Para isso é preciso um desejo. Desejo real de mudança. E isso não é fácil, pois nem sempre estamos dispostos a largar velhos hábitos, posturas e atitudes. É preciso TRABALHAR nisso! O corpo pede trabalho!*

* Obs: Não entendam essa frase literalmente. Não quero dizer com isso que devemos dedicar exclusivamente ao trabalho (enquanto profissão). Digo trabalho em relação a produzir algo útil, no caso um melhor entendimento para o sintoma. Cuidado: ser Workaholic também é um sintoma!!

Loucura ou Realidade?



Obs: Sugiro que aqueles que ainda não tenham assistido ao filme não leiam esse texto, pois irei comentar sobre cenas finais e certamente irá estragar a surpresa do filme.

O filme Ilha do medo (Shutter Island) teve sua estréia no Brasil em meio a críticas controversas. Talvez por ser um filme do aclamado diretor Martin Scorsese, espera-se sempre um espetáculo no cinema.

Desculpem-me os críticos de cinema e os mais entendidos sobre filmografia de Scorsese, mas estou aqui para comentar a história do filme, e ela foi simplesmente sensacional.

O filme se fez nos detalhes. Em tempos que preconceitos são quebrados (não tanto quanto deveriam) o enredo nos mostra uma visão interessante da saúde mental, principalmente no papel de Ben Kingsley. Ele faz um psiquiatra que luta pela qualidade de vida dos doentes mentais. Ele tenta entender o que há por traz daquele que, por muitos, é visto como monstro, fazendo o possível para humanizá-los. As falas de Kingsley no filme são sensacionais e refletem um olhar de acolhimento, entendimento e sabedoria sobre alguns seres humanos que são discriminados pelo fato de terem cometido algum crime.

Claro que aquele que comete um crime deve pagar seu débito para com a sociedade. E para o doente mental não é diferente. Contudo um crime cometido por um psicótico deve levar em conta todo um contexto. Um psicótico em surto que mata sua mãe pois acredita que ela é um leão que irá devorá-lo, não é o mesmo que um homem em “sã consciência” que mata alguém em um assalto. A realidade do primeiro é diferente e isso precisa ser considerado. **

Há um pequeno alerta no filme (que pode passar despercebido) para algo comum em nosso cotidiano. Algumas pessoas dão indícios de que estão passando por sofrimentos psíquicos, mas os familiares, por medo ou preconceito preferem não enxergar os fatos e quando caem em si, algo mais desastroso já pode ter ocorrido. Isso ocorre com o Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) que apenas percebeu a doença da esposa quando esta chegou as ultimas conseqüências. Ele mesmo então não suporta a realidade que lhe e apresentada e cria uma outra paralela que tenta sustentar durante todo o filme.

Claro que é possível fazer algumas críticas, mas que na verdade revelam um pouco de como a sociedade encara os doentes mentais. A idéia de todos os criminosos estarem isolados numa ilha reflete o que essa sociedade deseja fazer com esses criminosos: não compreender, mas afastar, mandar pra longe, como se não existissem... O próprio nome do filme (traduzido para português como “A Ilha do medo”) reflete o que as pessoas sentem em relação aos ditos loucos... sentem medo.

O filme mostra também como os doentes mentais eram tratados antigamente. Métodos desumanos são colocados em questão e também nos leva a refletir a que ponto chegamos no passado. Que bom que houve ao menos alguma evolução. Com o movimento da reforma psiquiátrica e com as lutas antimanicomiais (guardada às devidas proporções), os doentes mentais passam a ser vistos com outra perspectiva, uma visão mais humana e que considera a importância de ajudar que esses sujeitos estabeleçam laços sociais, e não mais sejam isolados de tudo.

Por fim, ao ser confrontado com a realidade (que não é a dele) Teddy reconhece seu crime. Contudo a tentativa do psiquiatra em lhe revelar o real, acaba por ser um fracasso. E enfim, em “sã consciência” diz que é preferível morrer como um homem bom a viver como um monstro... Em sua realidade ele era um bom homem em busca do assassino de sua esposa, e assim não suportaria viver fora dessa realidade. Será então que essa realidade deveria mesmo ter sido mostrada a ele!? Fica essa interrogação para que possamos refletir sobre o lugar desse sujeito em nossa sociedade, e qual é o papel dos psicólogos nesse contexto.

**Em tempo...

Em Belo Horizonte temos o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), um programa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, realiza acompanhamento do portador de sofrimento mental que cometeu algum crime. Nesse programa os psicólogos (e estagiários) possuem papel fundamental na escuta e acompanhamento dessas pessoas.