quarta-feira, 4 de maio de 2011

AMOR?



Está em cartaz o mais recente filme de João Jardim “Amor?”. Interessante ver o novo estilo documentário-ficção, já que trata-se de depoimentos reais apresentado por atores. Há tempos esperava um bom filme que retrata a violência, e enfim minha espera chegou ao fim.

O filme é um documentário ficcional. Atores representam pessoas que relatam em entrevistas suas histórias de violência que praticaram ou se submeteram. Os depoimentos giram em torno de relacionamentos repletos de violência e ciúme. A dúvida colocada é “Será que o que mantém as pessoas em relacionamentos desse tipo pode ser chamado de Amor?”

Há alguns meses trabalho em um abrigo para mulheres que sofrem violência doméstica e estão em situação de risco. As mulheres que chegam até lá estão em ameaça iminente de morte. Os agressores, em 100% dos casos até então, são os companheiros. Diferentemente do que pode ser percebido no filme, a maioria das mulheres abrigadas são de nível socieconômico baixo. Talvez porque estas não podem contar com outra saída, como viajar, ou até se abrigarem em casas de familiares. As mulheres que passam pelo abrigo, muitas vezes, não possuem família de origem, ou a própria família também é colocada em risco pelo agressor.

Mas o que provoca nossa reflexão, e que é bem abordado no filme, é: Por que as pessoas se submetem a relacionamentos que causam tanta dor e sofrimento? Podemos pensar em várias respostas pra essa pergunta, mas nenhuma nos dará a visão completa do assunto. Ao escutar a história de vida de algumas dessas mulheres, é possível notar algo em comum que é a violência presente desde a infância. Algumas sofrem violência do pai (mãe ou outros familiares), ou então presenciam a violência diária em seus lares. Algumas não conhecem outro tipo de relação, sem ser a repleta de violência. Então nesse caso, talvez isso seja amor. Alguns podem pensar: “Mas como pode ser amor? Amor de verdade não machuca, não agredi, não ofende” ou “Amor é algo sublime”. Realmente, eu posso acreditar que o amor não agredi, mas eu me baseio em minha história. Cada um tem a sua concepção do que é o amor, e como podemos dizer que está errado? Afinal, o amor é uma construção e cada um dá pra ele um significado próprio. Então é compreensível que pessoas aprendam que amor e violência andam juntos. Afinal, aqueles que deviam amar e cuidar, acabam por agredir, e isso fica marcado.

Contudo, afirmo de novo, não é uma relação simples de causa e efeito, é tudo muito mais complexo do que imaginamos. Além disso, sabemos que há nossa escolha pessoal. Nós ressignificamos nossos aprendizados ou não, depende de cada um. Mas não é tarefa fácil, e por isso não podemos julgar, ou resumir tudo a uma questão social ou cultural. E ao não julgar, não posso dizer o que amor é ou não é, pois para isso partimos de concepções individuais. Acredito que neste sentido, o filme pode ajudar nossa compreensão. Quando escutamos os relatos, mesmo que representados por atores, algo mexe conosco. Pelo menos foi a impressão que notei em algumas pessoas que também assistiram. Além disso, temos depoimentos dos dois lados na moeda, o agressor e a agredida. Isso nos ajuda a olhar o todo sem rotular as vítimas ou agressores, já que em alguns momentos os papéis se invertem.

A verdade é que o amor não é ciência exata. Aliás o que é exato quando nos referimos às pessoas? Exatamente por isso conclusões simplistas e causais devem ser evitadas. Não podemos ser ingênuos de pensar que a violência de hoje pode ser justificada pela violência do passado, mas isso serve sim para compreendermos melhor a pessoa. Em alguns depoimentos do filme as mulheres conseguiram romper o ciclo da violência em suas vidas, o que mostra que é possível. Sempre há um limite que quando atingido, algo é despertado. A questão é que para algumas pessoas isso pode demorar uma vida inteira para ocorrer. E nesse âmbito cabe a nós, profissionais de Psicologia, acolher e auxiliar aqueles que nos procuram, a ressignificar seus aprendizados do passado e fazer novas escolhas no futuro.