segunda-feira, 3 de maio de 2010

Loucura ou Realidade?



Obs: Sugiro que aqueles que ainda não tenham assistido ao filme não leiam esse texto, pois irei comentar sobre cenas finais e certamente irá estragar a surpresa do filme.

O filme Ilha do medo (Shutter Island) teve sua estréia no Brasil em meio a críticas controversas. Talvez por ser um filme do aclamado diretor Martin Scorsese, espera-se sempre um espetáculo no cinema.

Desculpem-me os críticos de cinema e os mais entendidos sobre filmografia de Scorsese, mas estou aqui para comentar a história do filme, e ela foi simplesmente sensacional.

O filme se fez nos detalhes. Em tempos que preconceitos são quebrados (não tanto quanto deveriam) o enredo nos mostra uma visão interessante da saúde mental, principalmente no papel de Ben Kingsley. Ele faz um psiquiatra que luta pela qualidade de vida dos doentes mentais. Ele tenta entender o que há por traz daquele que, por muitos, é visto como monstro, fazendo o possível para humanizá-los. As falas de Kingsley no filme são sensacionais e refletem um olhar de acolhimento, entendimento e sabedoria sobre alguns seres humanos que são discriminados pelo fato de terem cometido algum crime.

Claro que aquele que comete um crime deve pagar seu débito para com a sociedade. E para o doente mental não é diferente. Contudo um crime cometido por um psicótico deve levar em conta todo um contexto. Um psicótico em surto que mata sua mãe pois acredita que ela é um leão que irá devorá-lo, não é o mesmo que um homem em “sã consciência” que mata alguém em um assalto. A realidade do primeiro é diferente e isso precisa ser considerado. **

Há um pequeno alerta no filme (que pode passar despercebido) para algo comum em nosso cotidiano. Algumas pessoas dão indícios de que estão passando por sofrimentos psíquicos, mas os familiares, por medo ou preconceito preferem não enxergar os fatos e quando caem em si, algo mais desastroso já pode ter ocorrido. Isso ocorre com o Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) que apenas percebeu a doença da esposa quando esta chegou as ultimas conseqüências. Ele mesmo então não suporta a realidade que lhe e apresentada e cria uma outra paralela que tenta sustentar durante todo o filme.

Claro que é possível fazer algumas críticas, mas que na verdade revelam um pouco de como a sociedade encara os doentes mentais. A idéia de todos os criminosos estarem isolados numa ilha reflete o que essa sociedade deseja fazer com esses criminosos: não compreender, mas afastar, mandar pra longe, como se não existissem... O próprio nome do filme (traduzido para português como “A Ilha do medo”) reflete o que as pessoas sentem em relação aos ditos loucos... sentem medo.

O filme mostra também como os doentes mentais eram tratados antigamente. Métodos desumanos são colocados em questão e também nos leva a refletir a que ponto chegamos no passado. Que bom que houve ao menos alguma evolução. Com o movimento da reforma psiquiátrica e com as lutas antimanicomiais (guardada às devidas proporções), os doentes mentais passam a ser vistos com outra perspectiva, uma visão mais humana e que considera a importância de ajudar que esses sujeitos estabeleçam laços sociais, e não mais sejam isolados de tudo.

Por fim, ao ser confrontado com a realidade (que não é a dele) Teddy reconhece seu crime. Contudo a tentativa do psiquiatra em lhe revelar o real, acaba por ser um fracasso. E enfim, em “sã consciência” diz que é preferível morrer como um homem bom a viver como um monstro... Em sua realidade ele era um bom homem em busca do assassino de sua esposa, e assim não suportaria viver fora dessa realidade. Será então que essa realidade deveria mesmo ter sido mostrada a ele!? Fica essa interrogação para que possamos refletir sobre o lugar desse sujeito em nossa sociedade, e qual é o papel dos psicólogos nesse contexto.

**Em tempo...

Em Belo Horizonte temos o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), um programa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, realiza acompanhamento do portador de sofrimento mental que cometeu algum crime. Nesse programa os psicólogos (e estagiários) possuem papel fundamental na escuta e acompanhamento dessas pessoas.

2 comentários:

Ana Paula disse...

Menina, adorei seu blog! Muito bem feito e escrito. Particularmente neste filme as cenas dos sonhos são sensacionais do ponto de vista da psicanalise, mesmo nessa realidade criada por Teddy os sonhos vem mostrar algo do sintoma, e a forma como o diretor constrói as cenas foi muito tocante!! Além, é claro de todo o contexto ligado ao trato aos pacientes portadores de doença mental... Muito bom filme, recomendadíssimo. Beijos e até colega!

Cristina disse...

Obrigada por seu comentário Ana Paula e volte sempre ;-)