quarta-feira, 5 de novembro de 2014

PEDIDOS EMBUTIDOS


Uma mãe nos seus 50 anos, com dois filhos adultos e um bom marido, encontrou um cartão com esses dizeres e resolveu dar um cartão para cada um dos seus filhos no dia das mães, que seria um mês depois.

Achou perfeito, pois resumia tudo que ela gostaria de pedir aos seus filhos: que não a criticassem quando ela cometesse gafes; que não insistissem para ela se arrumar quando estava desanimada; que não reclamasse para ela dos erros e esquecimentos da empregada; que não rissem da forma como ela cantava e dançava suas músicas prediletas; que, quando ela tivesse um ataque de choro, só a abraçassem, carinhosamente, sem críticas ou perguntas; que arrumassem a bagunça do quarto, da sala ou da cozinha só porque ela estava chegando e odiava aquilo; que ficassem quietos quando ela destemperasse, mesmo sem razão aparente; que não esperassem agradecimentos pelas coisas que ela acha que são deveres mínimos; que lhe providenciassem um chá quente e um roupão macio nos seus maus dias.

Com o passar dos dias, ela foi exercitando prever a reação dos filhos ao receber o cartão. Na dúvida sobre se mantinha a decisão ou não, foi enxergando o quanto os filhos se sentiriam criticados; como eles reagiriam, criticando-a; como diriam que ela nunca estava satisfeita, que não via o que eles tinham de bom. Com isso, ela foi se sentindo mal, incompreendida, mal amada e ficou pensando como fazer para que não fosse tão ruim.

Resolveu mostrar o cartão para uma amiga e ver a reação. A amiga viu, leu e achou interessantíssimo dar esse cartão para sua mãe; ficou se deliciando com o que poderia fazer com a mãe, dando-lhe aquele cartão. No susto, a mulher não conseguiu explicar que não era para dar para a mãe, e sim para os filhos.

Passou, então, a exercitar o avesso. Como seria receber esse cartão de um dos filhos? Ele daria o cartão com pedidos embutidos: que ela não o criticasse por esquecer os compromissos, tão importantes para ela, e não para ele; que não o achasse burro por não saber quem era determinado autor, político, personagem que foi vital para o mundo, na visão da mãe; que não “marcasse cerrado” todas as vezes que tivesse “maus modos”; que entendesse o quanto é importante para ele se explicar, enquanto ela fecha a questão; que não insistisse para saber as suas respostas, quando ele mesmo não as sabe; que aceitasse quando ele não está bem, satisfeito e sorrindo, sem saber por que está assim; que não esperasse agradecimentos e reconhecimentos pelas funções básicas de sobrevivência; que lhe desse colo quando fosse possível, sem aproveitar o bom momento para fazer críticas que não conseguiu fazer antes.

Desistiu de dar o cartão.




Trecho do Livro Pais e filhos uma relação delicada de Solange Rosset

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