COMO A REPETIÇÃO INCONSCIENTE DE CONFLITOS PODE SE PERPETUAR ATRAVÉS DE GERAÇÕES
Naturalmente todas as famílias estão sujeitas as crises ao
longo de sua história, ou ciclo evolutivo. Mas não necessariamente estas crises
precisam causar danos aos membros da família. As crises são momentos de
instabilidade que são necessárias para impulsionar a família ao crescimento e
evolução. Elas criam uma necessidade de reorganização das relações entre os
membros e leva-os a descobrir novas regras para o funcionamento do sistema
familiar.
Um dos pontos a ser observado é que geralmente, quando há
alguma crise ou mudança de ciclo de vida familiar, é possível a constatação de
algum padrão familiar que é transmitido através das gerações. É o que chamamos
na Psicoterapia Familiar Sistêmica, de Padrões familiares transgeracionais.
A mudança do ciclo de
vida e suas repercussões
Mas o que seriam os ciclos de vida? São as mudanças pelas quais
toda família passa ao longo de sua existência. Como a saída de um filho de casa
para morar sozinho. Ou um casamento. A entrada de um novo membro na família
como o nascimento de uma criança. A saída de pessoas do sistema familiar com as
mortes. Todos estes fatos representam uma mudança de ciclo de vida e são
considerados estressores para qualquer família. A diferença é o modo como cada
um vai se adaptar ao novo ciclo.
São nestes momentos que podem surgir padrões de repetição.
Uma mulher que ainda não tem filhos e de repente engravida pode despertar o
inconsciente para algum padrão disfuncional em relação a maternidade. Com isso,
ela pode repetir com seu filho comportamentos que antes condenava em seus pais
por exemplo. Ou ainda dois jovens que decidem se unir em um casamento. Os
padrões de relacionamento que são aprendidos com a família de origem e não são
bem elaborados são levados ao novo casamento podendo gerar conflitos ao novo
casal.
Assim, cada nova etapa do ciclo de vida familiar, um novo
desafio se apresenta aos membros do sistema. Cabe a cada um passar por essas
transições sem deixar que as crises sejam de grandes proporções. Para isso é
necessário que cada indivíduo possa compreender o legado transmitido pela
família de origem, elaborando bem as questões não resolvidas em seus
relacionamentos familiares, a fim de evitar que os problemas se estendam às
relações afetivas ou se perpetuem na sua história individual.
A lealdade
inconsciente que impulsiona à repetição
Contudo, há um fator de origem inconsciente que influencia
sobremaneira nas repetições de padrões, e chama-se lealdade invisível ou
inconsciente.
As lealdades invisíveis dizem respeito a algumas expectativas que devem
existir e se fazer cumprir por todos os membros da família. É como um grande
livro com bordas e escrita envelhecidas, no qual se contabilizam os créditos e
débitos do grupo familiar, no qual conexões vão se estabelecendo entre as
gerações, criando expectativas que irão influenciar todo o grupo familiar. Podemos
pensar que cada membro que nasce, possui um papel pré-estabelecido e precisará
cumprir com as obrigações e expectativas designadas pela geração anterior.
A lealdade invisível poderá permanecer no inconsciente do grupo e poderá
se manifestar na mudança de uma etapa do ciclo de vida familiar, que como já
descrito anteriormente, possui seus próprios fatores estressores. Uma das
etapas mais estressantes é o nascimento do primeiro filho do casal e esta pode
vir carregada de expectativas de ambas as famílias. Assim, os cônjuges podem
iniciar seus conflitos a respeito dos papéis de cada um e da maneira como devem
educar os filhos. Cada um pode desejar representar seus próprios papéis
determinado por seus antepassados, fixando uma posição rígida para cumprir cada
um a sua maneira sua lealdade ao seu grupo de origem.
Aceitar e re-elaborar o Legado
O legado familiar faz parte da história de qualquer
indivíduo e, portanto, é inevitável. Contudo ele não precisa ser destinado aos
descendentes de uma família como algo rígido e imutável. O legado deve ser
elaborado internamente, comunicado, e, algumas vezes, reformulado, para que a
família tenha maior flexibilidade e desenvolva padrões saudáveis de
relacionamento.
Assim, com a herança familiar elaborada, cada membro
familiar poderá compreender melhor suas escolhas e atitudes perante o outro. Os
indivíduos poderão construir um contrato próprio quando na relação de casal,
com os elementos que cada um deseja trazer de sua família de origem, aliados às
experiências individuais de cada cônjuge. Desta forma, todos estarão cientes de
suas atitudes e transformarão a relação, interrompendo o ciclo de repetição e
transmitindo uma herança consciente e mais bem elaborada para as futuras
gerações.
O mais importante é perceber que muitas vezes será
necessário ser desleal ao sistema familiar para que o indivíduo possa ser leal
consigo mesmo e assim reelaborar sua história e aproveitar o legado familiar de
maneira mais consciente, madura e saudável. Com isso, ele ajuda a apaziguar não
só seus próprios conflitos, mas em alguns casos e inconscientemente, os
conflitos de toda uma geração de sua família.
Publicado em Personare com adaptações.
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