O filme História de um casamento (Marriage Story, 2019) parece ser uma história de amor. E é! O divórcio é apenas uma consequência de atitudes inconscientes que vão sendo negligenciadas ao longo da relação. Nicole e Charlie são casados há um bom tempo e têm um filho desta relação. Parecem ser um casal perfeito e nisto também reside alguns perigos como os da projeção e idealização.
Ao longo do filme é nítido o carinho que ambos possuem um pelo outro, ao mesmo tempo, como o divórcio com os advogados em ação vai se construindo como uma luta de interesses e de quem está com a razão.
Este é o primeiro erro comum, achar quem está com a razão. Geralmente na visão de cada um, aliás como em qualquer casal, cada um acredita que o certo é o seu ponto de vista. Contudo, cada um traz formas de relacionar e atuar diante da vida de sua família de origem e pensar que existe um jeito certo é a receita para grandes discussões.
Quando nos unimos com o outro nos relacionamos com toda a história de origem dele, mesmo sem saber o que atua ali de forma oculta. Na grande maioria dos casais as brigas e conflitos tratam-se de emaranhados ou padrões trazidos da família de origem, onde um perde de vista quem realmente o outro é. A intenção não é justificar comportamentos um do outro como sendo certos ou errados. É preciso ampliar e reconhecer que cada um atua muitas vezes de forma inconsciente e que é preciso exercer uma escolha consciente diante disto.
Na visão sistêmica das constelações familiares, existe a lei do equilíbrio que rege os relacionamentos. A partir do entendimento dela percebemos que mais importante que amar demais é estar em equilíbrio de trocas em uma relação. Aliás, "dar demais", "amar demais", "dar tudo de si", geralmente é bem difícil de ser equilibrado e o outro que não consegue retribuir da mesma maneira se sente pressionado a sair da relação. Como ocorreu com o casal de protagonistas do filme.
Muitas vezes quando ficamos conscientes dos conflitos que carregamos em nossa própria história ficamos um pouco mais livres para perceber a pessoa parceira. O objetivo de um relacionamento saudável não pode ser um tentando preencher as necessidades infantis do outro. Mesmo porque isso é tarefa impossível. A falta que fica, geralmente dos pais, nunca será preenchida por nada nem por ninguém mesmo que as tentativas sejam incansáveis.
Ao se tornar então consciente de suas própria faltas ou emaranhados em seu sistema familiar, é preciso reconhecer que o outro pode não acompanhar o mesmo processo. Então sempre há uma escolha. Concordar com o outro e o relacionamento da maneira que é e adequar a relação para o equilíbrio necessário, ou seguir em frente. E então, se a saída escolhida for o divórcio, é preciso encará-lo como um luto, uma perda das idealizações feitas anteriormente em torno do casamento. Não há como passar por um divórcio sem dor. Reconhecer a sua dor e a dor do outro é um passo importante para um divórcio mais livre. E quando há filhos da relação, estar ciente que o casal se separa, mas os pais estarão sempre vinculados através da criança. Crianças não precisam sofrer com um divórcio. E se isso ocorre é porque, na maioria das vezes, os pais não conseguem separar as dores do casal da função parental que ocupam com os filhos. Brigas constantes e trocas de ofensas só geram mais sofrimento para a criança além de trazer uma vinculação negativa entre o casal que pode influenciar nas relações futuras.
Assim, para se ter um divórcio mais livre ou o bom divórcio, é necessário abrir mão da necessidade de estar com a razão e algumas vezes da posição de vítima da relação. Independente do que ocorreu, em algum momento houve amor e é isso que precisa ser honrado. Para seguir em frente com leveza torna-se necessário reconhecer que erros foram cometidos muitas vezes por questões sistêmicas ocultas que atuaram a nossa revelia, mas que o vínculo positivo pode se manter se o lugar do outro permanece como um registro de experiência e crescimento dentro da história de cada um.
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