sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Ajuda ou Autossacrifício? Como ajudar de forma efetiva e respeitosa sem nos emaranhar nos destinos dos outros.



O ano de 2020 nos trouxe uma pandemia e com ela grandes desafios. Algo que ganhou grandes proporções foi o processo de ajuda em todos os níveis. Tanto profissionalmente quanto pessoalmente muitos se mobilizaram para exercer a ajuda em algum nível em seu contexto. Contudo, muitos também adoeceram mais e tomaram para si excesso de responsabilidades para com os outros. Assim, é importante refletir sobre o processo da ajuda à luz das constelações familiares. E como ela pode ser mais efetiva tanto para o ajudante quando para o ajudado quando é feita do lugar certo.


O complexo de salvador


Muitos que escolhem a profissão de ajudante seja em qual área for carregam consigo algum complexo de salvador. Geralmente já estão fora de lugar em sua família de origem e levam para a profissão esta falta de lugar. É como se consertar algo fora fosse arrumar aquilo que está dentro. 


Saber nosso lugar em nossa família de origem é fundamental. Para as constelações familiares existem algumas leis sistêmicas que atuam, mesmo que não tenhamos conhecimento delas. A lei da ordem ou hierarquia é a que preserva a grandeza e lugar de cada um no sistema. Quem vêm antes é maior e têm prioridade e deve ser honrado deste lugar. Os problemas começam quando os descendentes querem mudar o destino dos que vieram antes deles. São filhos que querem salvar ou cuidar de algum ancestral assumindo lugares que não são seus. Esse processo na maioria das vezes é inconsciente apesar de algumas vezes ser até perceptível nas atitudes conscientes. Filhos adultos que deixam de viver suas próprias vidas para se voltar para a vida de um dos pais ou, às vezes, avós. Mulheres que abdicam de ter uma família nuclear e filhos para cuidar da família de origem seria um exemplo comum. Então, aquele que sempre se sacrificou de alguma forma pela família pode seguir fazendo o mesmo na profissão escolhida.


Por outro lado, alimentar mágoas e julgamentos pelos que vieram antes pode gerar uma culpa inconsciente que pode ser transformada em expiação e autossacrifício. Por diversos motivos você acredita que ajudando o outro possa aliviar a culpa de ser desleal ou estar agindo contra alguma lei sistêmica. Como é um processo inconsciente na maioria dos casos, apenas quando chega um sintoma físico ou mental o sujeito para refletir sobre seu lugar no mundo. Além disso, outro  dificultador é que o ajudante nem sempre está disposto a pedir ajuda já que é ele quem está neste lugar, por isso um sintoma precisa emergir para que isso aconteça.


Ordens da Ajuda


Bert Hellinger propôs em seu livro Ordens da Ajuda, algumas diretrizes a serem seguidas e compreendidas por aqueles que querem ser ajudantes. Contudo, é um caminho de autorreflexão para todas as pessoas pois constantemente, nas famílias e socialmente, nos deparamos com o imenso desejo de ajudar ou fazer algo pelo outro. É uma reflexão a partir de um olhar sistêmico e amplo.


A primeira ordem da ajuda diz que deve-se dar o que se tem e tomar apenas o necessário. Isso requer muita humildade para reconhecer as próprias limitações, especialmente para os ajudantes profissionais. Se o próprio ajudante ainda não encontrou seu próprio lugar em seu sistema de origem certamente terá dificuldades em auxiliar o outro de forma livre. Neste caso se a lei da ordem está sendo respeitada certamente o ajudante está no lugar e consegue levar uma ajuda mais efetiva reconhecendo o outro como adulto e grande assim como ele.


Na segunda ordem devemos nos submeter às circunstâncias externas e internas e respeitar o destino de cada um. A intervenção e apoio é na medida do necessário e permitido. O que ocorre geralmente, que representa desordem neste caso, é que o ajudante vê o destino do outro como pesado, difícil e quer mudar, mesmo que o outro não precise ou queira, para seu próprio alívio por não conseguir suportar o destino do outro. É como uma criança que ajuda sem medidas apenas para não ver o outro infeliz. A ajuda muitas vezes, neste caso, serve mais para o ajudante do que para o ajudado. 


Na terceira ordem, o ajudante se coloca como adulto perante um outro adulto. Assim não assume papéis substitutivos, geralmente parentais. A desordem aqui é permitir que um adulto haja como uma criança pedindo algo aos seus pais, e que o ajudante trate o cliente, (amigo ou familiar) como uma criança, para poupá-lo de algo que ele mesmo precisa e deve carregar - a responsabilidade e as consequências. Há um desrespeito pela lei do equilíbrio que ocorre no mundo dos adultos. Se o outro é adulto ele tem força e dignidade tanto quanto eu e isto precisa ser levado em consideração. 


Para a quarta ordem da ajuda é fundamental a visão sistêmica olhando para o outro como parte de um sistema e dar um lugar a todos os excluídos do seu sistema. Não estou somente a serviço do meu cliente, mas sim de todo o sistema familiar a que ela pertence, em especial aqueles que ela quer excluir. No caso de amigos e familiares é reconhecer que todos fazem parte de um grande sistema e inconsciente familiar e que cada um possui suas dores e lealdades que os movem na vida. É preciso evitar julgamentos e manter a empatia sistêmica. Esta ordem está em ressonância com a lei do pertencimento onde ninguém pode ser excluído, todos fazem parte.


A quinta ordem complementa a quarta pois é preciso evitar o julgamento e condenação daquilo que é a dor do outro. Estar isento de julgamentos morais é essencial para uma ajuda mais autêntica. Acolher a cada um como ele é, por mais que ele seja diferente de mim. Desordem seria o julgamento dos outros, que geralmente é uma condenação, e a indignação moral ligada a isso. Quem realmente ajuda, não julga.


E por último estar de acordo com a realidade que se apresenta, sem reclamar ou lastimar. Muitos suportam o destino alheio e querem mudá-lo. Com isso, podem assumir algo pelo outro desrespeitando a capacidade e grandeza do outro para lidar com seu próprio destino. 



Ajuda que ajuda


A ajuda efetiva é aquela que sabe olhar para o outro e seu destino com respeito e dignidade. Que inclui tudo que o outro traz, mesmo que seja diferente ou aparentemente doloroso. Profissionalmente, é preciso acolher e não desejar eliminar nada para o outro, pois isso ele mesmo precisa reconhecer e fazer conforme seu próprio sentimento. Mas sim, ampliar seu olhar, e fornecer alguma ferramenta ou recurso que o auxilie em seu processo, mas sem fazer por ele. 


No âmbito pessoal olhar para o outro com dignidade e não com pena. A pena reduz o outro a um patamar inferior. Contudo, se olharmos para a mãe, pai, irmão, amigo ou seja lá quem for, e vemos a força que reside em seu interior e que vêm de todo o seu sistema ancestral, transmitimos a essa pessoa, força e autoconfiança em seus próprios recursos. 


É importante estar atento aos sinais do corpo e da alma ou inconsciente. Pois, em sonhos ou sintomas, se a ajuda está deslocada e você está tomando um lugar que não é seu, certamente seu inconsciente irá te sinalizar de alguma forma. E então se lembrar daquelas recomendações em viagens de avião que sempre repetem que é preciso colocar primeiro a máscara de oxigênio em você para depois colocar no outro. 


Publicado em www.personare.com.br em 12/02/2021.


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